Política a sério


Rui Rio colocou no debate interno do PSD o tema essencial da reforma do Estado, que poderá ser o grande desafio colocado a António Costa nas eleições de 2019


Há quem esteja firmemente convencido de que o ou os programas políticos, legislativos, financeiros e económicos impostos pelas entidades da troika constituíram, ainda que a propósito de garantir a viabilidade futura dos “empréstimos” concedidos no resgate externo, um impulso para a reforma institucional do Estado e da sua aparelhagem administrativa e empresarial. Ter ido “para além da troika” – se for essa a perspetiva que se tenha das medidas sucessivamente tomadas pelo governo de Passos Coelho e Paulo Portas – só poderia ser a concretização desse impulso, que se desejaria então irreversível e, a prazo, adaptável às circunstâncias do país. Depois de as bases programáticas dessa reforma serem delineadas exogenamente, caberia, pois, ao governo traduzi-la de forma mais específica (fora das especificidades já bem marcantes das entidades externas em muitos domínios) e espraiá-la num planeamento que fosse absorvido e concretizado sem inclinações e rotas desviadas. E, já agora, com alguma resistência (e justificação) contra os dogmas de uniformização da Comissão Europeia. Seria muito curioso saber como estaria hoje o país se Passos e Portas tivessem conseguido, para além de ganhar as eleições, uma maioria parlamentar. Compreender, no essencial, se o caminho proposto – em síntese rápida: reestruturação do exercício das funções do Estado (tendo por base o incipiente documento apresentado por Portas?) e gradualismo na recuperação remuneratória e de investimento público – estaria a ser bem incorporado e auxiliado pelas oportunidades do crescimento e pelas ajudas do quadro financeiro. O que faria de uma vez perceber se esse trilho – que custaria mais, mas poderia ser mais proveitoso no longo termo – seria ou não o melhor. Não fomos por aí. Fomos por outro lado.

Neste lado em que vivemos mantém-se a urgência da reforma do Estado. Pois à custa da falta dela, e da administração de cálculos eleitoralistas que essa omissão proporciona, continuaremos a pagar uma elevada fatura. Manifesta ou latente. Quando se continua à espera do que fazer, por exemplo, na viabilização da justiça, na eficiência do SNS, no gigante humano da “função pública”, no financiamento do ensino superior, no ordenamento do território, na gestão do património cultural, na maximização dos recursos para a segurança interna, no quadro funcional do Exército, intuímos que falta debate, processo, decisão e ação. Continuamos à espera. Não será por acaso que Rui Rio, no que tem para já referido no percurso desejado para a liderança do PSD, tem insistido no ponto. Não se trata de atacar aquela “verba” do OGE ou de transferir a prioridade de investimento deste para aquele outro domínio. Trata-se de uma mudança de paradigma, dentro do modelo dominante de prestações e funções do Estado. Porventura com revisão constitucional no meio. Necessariamente com várias leis de bases na intermediação. Obrigatoriamente com muitas mudanças em diplomas vários com nexo e coordenação entre si. E Rio saberá que é neste ponto – estratégico, transversal, verdadeiramente de regime – que poderá desafiar António Costa. Não é propriamente o debate que dá votos. Mas é o debate que marca uma liderança e implicará um pacto. Quando o país apreender de facto que este é o debate que importa para o futuro, teremos política a sério e à séria. Com definições e opções, como deve ser.

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto

Escreve à quinta-feira