De onde vem a saúde?


Fico deprimida quando falam comigo como se ainda estivesse doente. Não estou, não estou, e preciso de o dizer todos os dias e, sobretudo, hoje


Das coisas que mais gosto de dizer a mim mesma é que sou saudável. Isso e excelente comentadora de programas televisivos. E fico chateada quando acham que não o sou. Fico reticente sempre que tenho de explicar ao médico que sou sobrevivente de cancro e apercebo-me de que ele me coloca numa cela de pessoas suspeitas. Fico deprimida quando falam comigo como se ainda estivesse doente. Não estou, não estou, e preciso de o dizer todos os dias e, sobretudo, hoje: escrevo-vos embrulhada numa manta graças à crise horrível de vesícula que tive (sim, envelheço-me a mim mesma só a ouvir-me) e, por isso, preciso de dizer que sou saudável até ao ponto de se tornar uma verdade indiscutível: sou saudável mesmo com uma vesícula avariada. Ninguém pode ser perfeito, não é?

Quando não tiver a saúde comigo, será fácil demais aperceber-me disso – até lá, tenho de aprender a reconhecê-la quando ela está presente.

Pergunto-me de onde virá a saúde. Nasce-se com ela, suponho, mas e depois? Será que a saúde está só ali armazenada onde nasceu, preservada por quem a estima, ou há mais qualquer coisa? Será que vem de outros sítios?

Cada vez tenho mais certeza de que nada se exclui. Nada é só emocional nem só físico. Há uma ligação do corpo com as emoções, e quando essa ligação é agredida há uma manifestação disso. Há uns meses estive uns dias internada por conta de umas terríveis dores de cabeça e acabaram por me diagnosticar enxaqueca. Lembro-me que, antes de ficar internada e de tudo aquilo se espoletar, estava muito, muito stressada. O meu livro não avançava e às vezes só queria voltar atrás e não ter começado nada. Comecei a ficar com muitas dores de cabeça – nunca antes tinha tido – até se tornarem insuportáveis. Parecia que cegava com a dor. Acabei por ficar internada no Hospital de Santa Maria até se perceber o que tinha. Uns dias depois saí porque os exames (felizmente) não acusaram nada de especial, voltei à minha vida e, curiosamente, pouco tempo depois, os meus projetos melhoram, o livro avançou e tudo se compôs. Naturalmente que as dores de cabeça desapareceram. De alguma forma, não consigo deixar de pensar que todo aquele mal-estar físico foi uma manifestação do medo aterrador de falhar que sentia cá dentro. A explosão de dores acabou por me “afastar” daquilo que me preocupava – a produção do livro –, mesmo que tudo tenha acontecido inconscientemente. Para mim, esse desequilíbrio refletiu–se em dor e eu só precisei de trocar as minhas prioridades outra vez (pôr a saúde em primeiro lugar) para melhorar.

Parece que as emoções, quando estão confusas, misturadas e a precisar de tempo para serem compreendidas, pedem ao corpo que faça qualquer coisa para distrair a pessoa daquilo que está a sentir. Funcionam em equipa, são um só, e nós continuamos a tentar separá–los: o corpo das emoções, o físico do emocional, a terra do mar.

De onde vem a saúde?

Não sei. Ainda não sei. Mas sei que não há só uma fonte que a alimenta. Não é só um medicamento que a melhora nem só uma causa que a perturba. A saúde nasce, perdura e desaparece pelos poros e pode ser vista de diferentes formas pelos nossos olhos que a contemplam – pode ser uma coisa só de fora, ou ser maior e vir cá de dentro.

P. S. É caso para dizer que vale a pena ler o livro. Deu-me, literalmente, uma dor de cabeça dos diabos escrevê-lo.

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