O jantar de encerramento da Web Summit no Panteão Nacional gerou um clamor de indignação tão generalizado que até o Presidente usou palavras fortes para o condenar. António Costa, por sua vez, viu-se na obrigação de garantir que tudo fará para que não volte a repetir-se.
Acontece que este tipo de acontecimento não é novidade. Em 1998, quando Bill Gates trouxe o seu códice de Leonardo da Vinci para ser visto em Lisboa, durante a Expo, a Microsoft organizou um jantar no Mosteiro dos Jerónimos onde marcaram presença quase todas as grandes personalidades da altura. A antiguidade do cenário dava uma certa patine de respeitabilidade ao novo-riquismo da empresa norte-americana.
Basta visitar as páginas online da maioria dos monumentos para perceber que a realização deste tipo de eventos é relativamente normal. Leia-se o excerto seguinte: “O Palácio Nacional de Mafra disponibiliza em exclusivo alguns dos seus espaços e salas para a realização de jantares de gala, cocktails e outros eventos de natureza cultural e/ou empresarial […]. Todos estes eventos podem incluir visita ao Palácio guiada ou com animação.”
É sabido que o aluguer de espaços para eventos constitui uma importante fonte de receitas para os monumentos. Ou seja, ajuda à sua preservação. A única questão é se esses eventos atentam ou não contra a integridade (como a alegada destruição de um claustro em Tomar por uma equipa de filmagens, em tempos recentes) ou a dignidade dos lugares. Costa considerou que sim – que a utilização do Panteão para o jantar da Web Summit foi “absolutamente indigna”.
Mas em que foi diferente este jantar da festa de lançamento do último Harry Potter, em que houve números de ilusionismo, malabaristas e crianças histéricas aos gritos? Terá sido o facto de envolver comida? Nesse aspeto, os principais “prejudicados” até foram os próprios participantes do banquete, que pelos vistos não se mostraram incomodados por comerem no meio dos túmulos.
Não simpatizo particularmente com a seita da Web Summit, mas, desde que não tenham partido nada, não vejo qual o seu grande crime. O que parece mais misterioso, no meio de tudo isto, é que os arautos da tecnologia e da era digital tenham querido fazer a sua festa num monumento do século xvii, à luz das velas, e não num dos edifícios modernos e inteligentes que Lisboa viu aparecerem nos últimos tempos. Isso sim, merecia ser bem explicado.