É hoje o último dia da segunda Web Summit realizada em Lisboa e em Portugal, num excelente exercício de promoção do país que, não resolvendo os problemas estruturais, lançará algumas sementes para futuro que acabarão por medrar.
No país das vacas voadoras, onde se diz que a “burocracia está domada e a encolher”, a solução para aliciar a vinda de empreendedores para instalação dos seus projetos em Portugal é, entre outras medidas de apoio financeiro e fiscal, o lançamento do “startup visa”, uma espécie de visto gold para o segmento tecnológico. Ora, é público o estado comatoso em que se encontra a linha dedicada à captação de investimento estrangeiro através dos vistos gold. Quando era expetável que se tratasse dos bloqueios que condicionam a fluidez do processamento dos vistos gold, das concessões de autorizações de residência e das suas renovações, radicados sobretudo na insuficiência de meios do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para a dimensão das tarefas, em tempo útil e com previsibilidade, a solução é voltar a ampliar as expetativas de uma resposta que recai sobre os mesmos funcionários assoberbados de processos.
Incapazes de resolver os bloqueios gerais, por inação, preguiça ou captura pelos poderes instalados, a solução invariável das governações é a da criação de linhas dedicadas tão à margem das respostas gerais quanto possível. A não haver reforço dos meios do SEF, é grande a probabilidade de os vistos startup serem uma nova modalidade dos vistos gold, com a emergência de novas desilusões lesivas das expetativas geradas juntos de cidadãos não residentes e da imagem do país como potentado de modernidade.
Sem investimento e coragem política para mudar as condições gerais de funcionamento, os bloqueios gerais e a lógica das quintinhas dos serviços públicos e de uma organização estática do Estado, a retórica da modernidade não terá a tradução real de que o país precisa. A anunciada descentralização, se for acompanhada de meios e de incentivos à inovação de soluções de resposta para os cidadãos e para os territórios, poderá ser um caminho.
Esta moda do anúncio de linhas dedicadas é a mesma linha de ação com que são brindados os cidadãos clientes das empresas quando são confrontados com as campanhas de captação de novos clientes, com condições excecionais de serviço e de custo, bem diferentes daquelas de que já usufruem. Por regra, dá-se muito pouca atenção ao que já se tem, porque se dá por adquirido ou por confiscado numa qualquer fidelização, mas a verdade é que, se há possibilidade de oferecer condições mais favoráveis, estas devem estar ao alcance de todos. Infelizmente, apesar da globalização, há um risco generalizado de segmentação da realidade em que o modelo geral de organização do Estado será incapaz de responder às especialidades e às generalidades. Mais um modelo de visto de residência pode incorrer nessa incapacidade de resposta.
Neste ponto, é de elementar justiça sublinhar o papel crucial para a segurança e para a paz social que tem sido desenvolvido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sempre num quadro de manifesta insuficiência de meios, perante uma realidade cada vez mais exigente. Nem o Estado nem os cidadãos dão o devido valor a esta instituição.
É que no tempo da web, do networking e das redes sociais, a tolerância para com a “banha da cobra” é muito inferior à que já foi no passado. Não pode haver um discurso sem correspondência com a realidade, sob pena de alguém ser apanhado na curva. É assim na tentação do facilitismo do discurso político que gera expetativas como nos submundos que se movem nas realidades reveladas por escutas em processos judiciais, nos Panama Papers ou nos Paradise Papers. O escrutínio de alguém acaba sempre por trazer à luz novas dimensões em relação ao que foi pensado, escrito, dito, lido ou percecionado.
Estamos numa época muito visual, como se pode constatar pelos últimos episódios de violência junto à discoteca Urban, em que só após 38 ocorrências e a divulgação de um vídeo é que as autoridades intervieram face a uma realidade que era do conhecimento público. Mal vamos quando é preciso haver a visualização viral de uma realidade para ela se tornar relevante ao ponto de gerar a ação das autoridades ou da comunidade.
Enfunados por cimeiras tecnológicas, podemos embarcar na pré-visualização do futuro, mas nunca esquecer que há um presente, em meio urbano e em meio rural, que precisa de respostas eficazes muito além das tentativas-erros-tentativas da construção do futuro.
Como ficou evidente com os incêndios e com a realidade do país além de Lisboa e do litoral, há todo um Portugal a precisar de respostas além do sistema. Enter.
NOTAS FINAIS
Offline. Não é aceitável que sempre que há Web Summit, a net em plena Avenida da Liberdade deixe de funcionar ou funcione ao ritmo de outras latitudes menos desenvolvidas. O problema é que, como nos transportes, o que é insuficiente para o dia-a-dia é insuportável para o excecional.
Out of order. A legionela voltou a ter uma expressão dramática, com perda de vidas e marcas em quem foi afetado pela bactéria no Hospital de São Francisco Xavier. O PSD acusou o Estado de ter falhado. Onde estava o PSD em 2014, quando a bactéria provocou 12 mortes e infetou 375 pessoas? No governo!
History. No dia do centenário envergonhado da Revolução de Outubro, passei pela RTP3 e assisti a um discurso do Canal História. Insidiosa campanha é ser parte da solução de governo e procurar fingir que só se tem responsabilidade nas notícias positivas.
Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira