Esta semana comemoraram-se os 100 anos da Revolução Russa, que levou ao poder o partido bolchevique de Lenine. Nascia o sonho comunista num império agastado por uma guerra violenta e socialmente fragmentado, que assentava numa vasta força de trabalho de operários e camponeses, explorados e mal pagos – as condições perfeitas para fazer vingar o sonho idealista bolchevique.
E efetivamente foi vingando, aos trambolhões e escondida atrás de uma Cortina de Ferro, a União Soviética, que resistiu à máquina capitalista até 1991, altura em que Ieltsin anunciou o seu fim.
Para trás ficam histórias mal contadas, sucessos fabricados e décadas de resistência e de luta na persecução de um ideal de justiça social que, em confronto direto com a voraz máquina capitalista, nunca teve verdadeiramente hipóteses.
O ideal comunista resistiu como pôde e, por momentos, pareceu ter condições de se impor à escala global. Nos momentos mais quentes da Guerra Fria fez tremer os EUA, criando o pânico com a crise dos mísseis de Cuba.
Hoje, passados 100 anos, pouco resta do ideal comunista e a sua reciclagem fica muito aquém do desejado. Sim, do desejado. Os seus principais valores fazem hoje, mais do que nunca, falta no sistema político mundial.
Não me vou perder a justificar se esses mesmos valores existiram, ou existiam, na União Soviética porque o que efetivamente importa é aceitar a sua existência enquanto matriz ideológica.
Hoje, mais do que nunca, precisamos de olhar para a realidade do mundo e constatar que é preciso mais justiça social, mais igualdade e, sobretudo, diminuir o fosso que se vai cavando entre ricos e pobres. Na verdade, entre pessoas extremamente ricas e pessoas muito pobres.
Não embarco também na ideia de uma sociedade sem classes – é utópica e irrealista. A natureza humana é contrária à igualdade social. Haverá sempre pessoas que procurarão sobressair entre pares e que, em última análise, determinarão as clivagens sociais.
A social-democracia, já aqui o referi noutras oportunidades, não foi capaz (ou não tem sido capaz) de responder aos excessos do desenvolvimento e de resolver os problemas sociais criados pelas mais recentes crises financeiras, que têm dado espaço ao populismo e aos extremismos, sobretudo de uma direita radical que floresce em tempos de crise, de agonia e de desespero das pessoas – é um facto e para o comprovar basta olhar para a História.
Existe um espaço para uma abordagem comunista? Para uma abordagem moderna e adequada à realidade social dos tempos modernos? Sempre defendi que sim. Desde os tempos de faculdade, e sempre foi com alguma mágoa que assisti à irredutibilidade e à resistência à mudança dos principais líderes comunistas.
Em Portugal vamos experimentando uma fórmula inédita de combinação experimental entre social-democracia, esquerda revolucionária e comunismo (quase) ortodoxo. Uma combinação sobre a qual tive muitas dúvidas, mas que tem teimado em provar-me o contrário. E ainda bem! Ainda bem para Portugal, que parece desbravar uma nova abordagem ideológica com resultados (para alguns) surpreendentes e, perdoem-me a presunção, para a Europa e, porque não, para o mundo.
Passados 100 anos e ideologicamente falando, abre-se uma nova janela de oportunidade para o comunismo. Abre-se a possibilidade de se reinventar, de se adaptar aos tempos modernos, contribuindo para o equilíbrio social. Haja essa consciência e, 100 anos depois, a luta poderá continuar.
Escreve à quinta-feira