O Dinheiro e a Fé. A Ética protestante – o bem-estar social pré-determinado ou um discurso preconceituoso?


Pode o bem-estar económico e social depender de determinada religião? Durante séculos afirmou-se serem os protestantes melhor sucedidos que os católicos. Todavia, trata-se de um pressuposto erroneamente assimilado, pois são outros os factores decisivos para a prosperidade das sociedades.


É frequente ouvir-se que o protestantismo favorece o capitalismo, que países com maior influência protestante são mais produtivos e têm mais sucesso económico e social, quando comparados com países onde predomina o catolicismo, ou outra religião.

Foi a obra“A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, publicada em 1905 pelo sociólogo alemão Max Weber, que veio alterar radicalmente a forma de encarar a religião e a economia. A tese de Weber assenta na premissa calvinista segundo a qual os protestantes buscam o sucesso mundano que os conduziu à industrialização e a padrões de vida mais elevados, enquanto os católicos tendem a concentrar-se na esperança de uma salvação vindoura.

Parece incontestável que, em matéria de industrialização, foram os países protestantes como a Prússia, a Holanda, a Inglaterra e, mais recentemente, os EUA que se destacaram e, indiscutivelmente, sobrepuseram aos católicos “retrógrados” como Itália, Espanha, França e Portugal! Apesar de pouco simpático, temos repetidamente de ouvir que enquanto os protestantes produzem eficiente e disciplinadamente, os católicos descontraem e guardam para o dia de amanhã. Recordemos o holandês que, ainda recentemente, acusou os países do Sul de gastarem o dinheiro em “copos e mulheres” .

É evidente que a reação de António Costa, apesar de genuína, não poderia ser muito convicta pois, entre nós, é o próprio luso-pessimismo, tanto de esquerda quanto de direita, que sustenta esta “evidência”.

 

Desmontando o mito

No entanto, a tudo isto falta fundamento científico!

A validade empírica das teorias Weberianas, apenas recentemente foi testada, nomeadamente por Davide Cantoni . Admitindo que o crescimento demográfico das cidades apenas é potenciado pela produtividade económica e boas instituições, temos, pois, um indicador fiável. Cantoni cruzou os números do crescimento demográfico, entre 1300 e 1900, de 272 cidades de língua germânica. Nesse estudo, verificou não haver diferenças no crescimento das cidades, quer fossem protestantes ou católicas. A ética de trabalho protestante não parecia ter qualquer influência.

 

O que conta verdadeiramente

Com efeito, verificou-se que a tradução da Bíblia, elaborada por Lutero com vista a capacitar os cristãos a lerem a Bíblia por si mesmos, impulsionou significativamente a alfabetização das populações. Quando comparados com os católicos verifica-se, nos distritos protestantes da Prússia do sec. XIX, uma cota de alfabetização superior, em média, de 10%.

Sendo sabido que já no século XIX, a Prússia tinha uma posição preponderante no desenvolvimento do seu sistema educacional, faltava uma pesquisa quantitativa sobre as causas e a sua importância para o desenvolvimento económico.

Ludger Wößmann , dedicou-se a investigar o capital humano e constatou  que o mecanismo de acção do protestantismo que promove a eficiência, não é a fé nem mesmo a ética, mas sim a política de educação aplicada.

Não há, portanto, nenhum espírito protestante nem uma ética diferenciada de trabalho, que levem os protestantes a destacarem-se dos católicos em termos produtivos. A única diferença relevante é a escolaridade que os protestantes iniciaram.

 

Os bens públicos

Acresce que, sem a hierarquia clerical característica dos países católicos, nos territórios protestantes, os Estados passaram a assumir funções que até então pertenciam à igreja – os chamados bens públicos. O que hoje conhecemos como a segurança social, apoio aos pobres e doentes passou a ser garantido pelo Estado. De igual modo, empregando juristas em vez de clérigos, a administração prussiana tornou-se mais eficiente.

Não foi nenhuma razão de ordem religiosa ou espiritual que acabaria por determinar o sucesso das cidades protestantes, mas sim a organização administrativa dos bens públicos, sem a qual nada as distinguiria das cidades católicas.

 

Em Suma

Podemos concluir que estas são descobertas felizes, sobretudo em tempos em que a integração de outros credos se apresenta como um desafio generalizado no mundo ocidental. Verificamos que a paz, o progresso e bem-estar social, em nada dependem de um ou outro credo, mas de condições gerais e basilares, nomeadamente, da formação/educação e ordem social.

No momento em que se discute o Orçamento de Estado para 2018 vale a pena pensar nisso.


O Dinheiro e a Fé. A Ética protestante – o bem-estar social pré-determinado ou um discurso preconceituoso?


Pode o bem-estar económico e social depender de determinada religião? Durante séculos afirmou-se serem os protestantes melhor sucedidos que os católicos. Todavia, trata-se de um pressuposto erroneamente assimilado, pois são outros os factores decisivos para a prosperidade das sociedades.


É frequente ouvir-se que o protestantismo favorece o capitalismo, que países com maior influência protestante são mais produtivos e têm mais sucesso económico e social, quando comparados com países onde predomina o catolicismo, ou outra religião.

Foi a obra“A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, publicada em 1905 pelo sociólogo alemão Max Weber, que veio alterar radicalmente a forma de encarar a religião e a economia. A tese de Weber assenta na premissa calvinista segundo a qual os protestantes buscam o sucesso mundano que os conduziu à industrialização e a padrões de vida mais elevados, enquanto os católicos tendem a concentrar-se na esperança de uma salvação vindoura.

Parece incontestável que, em matéria de industrialização, foram os países protestantes como a Prússia, a Holanda, a Inglaterra e, mais recentemente, os EUA que se destacaram e, indiscutivelmente, sobrepuseram aos católicos “retrógrados” como Itália, Espanha, França e Portugal! Apesar de pouco simpático, temos repetidamente de ouvir que enquanto os protestantes produzem eficiente e disciplinadamente, os católicos descontraem e guardam para o dia de amanhã. Recordemos o holandês que, ainda recentemente, acusou os países do Sul de gastarem o dinheiro em “copos e mulheres” .

É evidente que a reação de António Costa, apesar de genuína, não poderia ser muito convicta pois, entre nós, é o próprio luso-pessimismo, tanto de esquerda quanto de direita, que sustenta esta “evidência”.

 

Desmontando o mito

No entanto, a tudo isto falta fundamento científico!

A validade empírica das teorias Weberianas, apenas recentemente foi testada, nomeadamente por Davide Cantoni . Admitindo que o crescimento demográfico das cidades apenas é potenciado pela produtividade económica e boas instituições, temos, pois, um indicador fiável. Cantoni cruzou os números do crescimento demográfico, entre 1300 e 1900, de 272 cidades de língua germânica. Nesse estudo, verificou não haver diferenças no crescimento das cidades, quer fossem protestantes ou católicas. A ética de trabalho protestante não parecia ter qualquer influência.

 

O que conta verdadeiramente

Com efeito, verificou-se que a tradução da Bíblia, elaborada por Lutero com vista a capacitar os cristãos a lerem a Bíblia por si mesmos, impulsionou significativamente a alfabetização das populações. Quando comparados com os católicos verifica-se, nos distritos protestantes da Prússia do sec. XIX, uma cota de alfabetização superior, em média, de 10%.

Sendo sabido que já no século XIX, a Prússia tinha uma posição preponderante no desenvolvimento do seu sistema educacional, faltava uma pesquisa quantitativa sobre as causas e a sua importância para o desenvolvimento económico.

Ludger Wößmann , dedicou-se a investigar o capital humano e constatou  que o mecanismo de acção do protestantismo que promove a eficiência, não é a fé nem mesmo a ética, mas sim a política de educação aplicada.

Não há, portanto, nenhum espírito protestante nem uma ética diferenciada de trabalho, que levem os protestantes a destacarem-se dos católicos em termos produtivos. A única diferença relevante é a escolaridade que os protestantes iniciaram.

 

Os bens públicos

Acresce que, sem a hierarquia clerical característica dos países católicos, nos territórios protestantes, os Estados passaram a assumir funções que até então pertenciam à igreja – os chamados bens públicos. O que hoje conhecemos como a segurança social, apoio aos pobres e doentes passou a ser garantido pelo Estado. De igual modo, empregando juristas em vez de clérigos, a administração prussiana tornou-se mais eficiente.

Não foi nenhuma razão de ordem religiosa ou espiritual que acabaria por determinar o sucesso das cidades protestantes, mas sim a organização administrativa dos bens públicos, sem a qual nada as distinguiria das cidades católicas.

 

Em Suma

Podemos concluir que estas são descobertas felizes, sobretudo em tempos em que a integração de outros credos se apresenta como um desafio generalizado no mundo ocidental. Verificamos que a paz, o progresso e bem-estar social, em nada dependem de um ou outro credo, mas de condições gerais e basilares, nomeadamente, da formação/educação e ordem social.

No momento em que se discute o Orçamento de Estado para 2018 vale a pena pensar nisso.