Há que garantir que o repetido colapso do Estado português, nesses dias fatídicos de 17 de junho e 15 de outubro de 2017, não voltará nunca a repetir-se.
Do alto do pico da Melriça, centro geográfico de Portugal continental, no concelho de Vila de Rei, o cenário é vasto e grandioso: do castelo de Abrantes, a sul, à serra de Aire, a oeste, à serra da Estrela, a nor-deste, e à Lousã, a norte, é a imagem deslumbrante do “Portugal telúrico” de Miguel Torga, em que se divisa ainda o castelo templário de Tomar de onde, há quase 900 anos, se organizou o povoamento que garantiu a existência de Portugal.
Mas, hoje, dali também se contempla a terrível destruição humana e material provocada pelo colapso do Estado português neste verão de 2017.
Custa a acreditar, mas no meio daqueles montes e vales estão, em Pedrógão Grande e em Castanheira de Pera, por exemplo, as casas e as estradas onde mais de 110 portugueses morreram este ano queimados pelo fogo, em devastações que nunca deviam ter acontecido.
E esta tragédia arrisca-se a provocar o completo despovoamento daquelas terras “mágicas e rudes”, destruindo a obra iniciada pela aliança entre D. Afonso Henriques e os templários.
E agora, o que fazer para salvar estas terras no coração de Portugal? Em primeiro lugar, há que garantir que o repetido colapso do Estado português, nesses dias fatídicos de 17 de junho e 15 de outubro de 2017, não voltará nunca a repetir-se.
E, para isso, proponho duas medidas prioritárias:
– Que o crime de fogo posto florestal seja imediatamente equiparado ao crime de terrorismo, de forma que a respetiva moldura penal se torne mais severa e, sobretudo, para que seja dada prioridade máxima à investigação deste tipo de crimes;
– Que o combate aos fogos florestais seja comandado por profissionais especializados e que nunca mais se assista a chefias impreparadas da Autoridade Nacional da Proteção Civil a demonstrarem total incompetência técnica no combate aos fogos. Neste sentido, o exemplo espanhol duma divisão militar tecnicamente preparada para fazer face aos fogos florestais parece ser excelente.
Mas, depois, há que assegurar que haja atividades económicas geradoras de empregos que garantam a sobrevivência demográfica deste território.
E, aqui, o país está face a uma emergência nacional em que, para se conseguir a sustentabilidade económica, terá de se prever uma discriminação positiva para todas as atividades económicas nos concelhos em estado de emergência – incluindo todas as atividades agrícolas, pecuárias e florestais que são a base da ocupação do território.
Numa lógica de sustentabilidade territorial, deve começar-se por uma medida fácil de aplicar em todos os concelhos declarados em estado de emergência:
– Para promover o emparcelamento, todas as escrituras de aquisição de terrenos rurais, até parcelas consolidadas de 50 hectares, devem ter nos próximos cinco anos isenção de IMT e de todos os impostos e taxas administrativas atualmente aplicáveis.
Mas outras medidas de promoção do emprego têm de ser tomadas nestes concelhos :
– Redução para 5% da TSU a cargo dos trabalhadores em todos os novos contratos de trabalho celebrados até 2022;
– Dado que um dos maiores problemas humanos e sociais destes territórios é a idade avançada de muitos pequenos produtores agrícolas e pecuários dos minifúndios, considera-se indispensável conceder-lhes um regime fiscal simplificado, a exemplo do que já acontece noutras regiões da Europa, para que apenas tenham de declarar às empresas a que vendem os seus produtos o seu número fiscal, estando automaticamente isentos de IRS se o total anual das vendas dos seus produtos, acrescido de eventuais reformas e pensões, não for superior ao limite da isenção do IRS;
– Isenção total do IRC em 2018 para todas as PME instaladas exclusivamente nestes concelhos;
– Isenção do IVA na venda de lenha, biomassa, pellets e brickets comercializados nestes concelhos, facilitando assim o escoamento dos muitos milhares de toneladas de material florestal que ficaram espalhados por todo este território;
– Dar uma majoração acrescida a cada MWh de eletricidade produzida nas centrais térmicas a biomassa instaladas nestes concelhos, para que se viabilize economicamente durante todo o ano a queima segura de resíduos florestais e agrícolas.
Ao ler as deliberações do último conselho de ministros dedicado aos fogos florestais deste último verão, verifica-se que estas medidas não estão lá contempladas – o que é preocupante, porque mais importante do que dar dinheiro para reconstruir casas é fazer com que os agentes económicos se sintam motivados para trabalhar e investir nestes concelhos numa lógica de médio e longo prazo, em fileiras económicas que acrescentem valor à economia nacional.
O povoamento do território tem de ter uma base de produtos transacionáveis assente na agricultura, na pecuária e na floresta. A partir daqui é que os investimentos no turismo rural podem fazer sentido.
O turismo deve ser protegido como uma atividade económica relevante nestes concelhos mas, com as tragédias deste ano, “ninguém vai fazer turismo no verão para territórios despovoados onde se pode morrer queimado”.
Este conjunto de medidas urgentes para salvaguarda da sobrevivência de 40 mil quilómetros quadrados de território nacional deve ser uma prioridade duma democracia de qualidade.
Oxalá os nossos decisores políticos assim o entendam, para que não se concretize a destruição de Portugal.
Professor catedrático do Instituto Superior Técnico, Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”