A insistência desfez a coincidência. Se foi António Costa o primeiro a desvalorizar a picardia com Marcelo Rebelo de Sousa decorrente do discurso com que o Presidente da República brindou o governo após os incêndios de outubro, depois do primeiro-ministro, o seu número 2 tornou a fazê-lo do mesmo modo.
Em entrevista à TVI, há uma semana, Costa não desmentiu (nem confirmou) que se sentira “chocado” com a intervenção do Presidente, apesar de deputados socialistas terem acusado Marcelo de “aproveitamento” político, e disse duas coisas de relevância substancial: “Da minha parte não há crispação nenhuma”, sendo, “aliás, o segundo Presidente da República com que este governo trabalha”, visto que “a partir do momento em que o governo entrou em funções”, teve “uma relação institucional de excelência [com Cavaco]”, em primeiro; e, em segundo, que “todo o país tem apreciado muito a cooperação institucional” entre os dois órgãos de soberania, já depois com Marcelo.
Este fim de semana, ao “Expresso”, Augusto Santos Silva carregou no mesmo botão, equiparando as presidências de Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa na relação de sucesso com a geringonça. “A relação institucional do governo com o Presidente da República é excelente com este Presidente da República [Marcelo] como foi com o anterior [Cavaco]”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros e braço-direito de António Costa ao semanário, também recordando a reunião do conselho de ministros a que Cavaco presidiu. “Pode parecer bizarro, mas não é, comparar dois presidentes que são antíteses um do outro, que conviveram com dois governos de popularidades tão opostas. Mas não é.
O que o primeiro-ministro está a dizer é ‘tem corrido bem assim para os dois; não estrague que o país não vai gostar’”, analisa um membro da Casa Civil de Marcelo, que desvaloriza o sucedido. “Marcelo tem o país consigo de uma maneira que o prof. Cavaco Silva nunca teve enquanto Presidente. Não é para ligar”, conclui, ao telefone e sob reserva, sendo também clara a diferença, até presencial, entre a proximidade de Marcelo Rebelo de Sousa com o governo em funções e uma maior distância de Cavaco Silva para o mesmo executivo socialista.
Que Marcelo não entendera nem a entrevista à TVI nem a estratégia de Costa para o pós–incêndios já foi escrito, tanto pelo diário “Público” como pelo semanário já citado. As comparações e equivalências a Aníbal Cavaco Silva, ao que o i apurou, também não agradam “nem tão–pouco incomodam”. Mas basta lembrar a picardia de verão entre os dois professores, com Cavaco a defender publicamente uma Presidência distante das câmaras e Marcelo a responder–lhe, diante das câmaras também, que deveria haver respeito entre Presidentes e ex-Presidentes, para concluir que não será inteiramente assim. O governo insistirá na mesma ferida?