Não íamos todos os anos ao Algarve mas, naqueles anos em que era possível, os meus pais faziam um esforço brutal no orçamento familiar e alegravam os nossos verões com a viagem mais esperada do ano. Sabíamos que, durante uma semana, não se inventariam luxos, que se cozinharia em casa mas que nunca nos faltariam gelados comprados à caixa, brincadeiras na areia, risos altos, mergulhos no mar misturados com alguma vergonha no meio – quando o meu pai mergulha há sempre algum nadador salvador que pensa que ele se está a afogar – passeios pelas ruas movimentadas, onde se exibem tererés e bugigangas. Voltávamos depois para casa, mais cheios, mais completos, com mais histórias. Sempre estive pronta para ir e sempre adorei voltar.
Não há nada melhor do que entrar num novo lugar, ver a avenida pela primeira vez, sentir uma curiosidade constante até com o novo ar que se respira e voltar depois, já com saudades da rotina, grata pela cama de sempre. Com o Cancro com Humor faço isso constantemente – “vou mas volto” – como dizem as mães de manhã, quando saem para ir trabalhar.
Desta vez o destino era a Madeira. Sempre tive vontade de conhecer o meu país por inteiro (como é que o podemos amar se não lhe reconhecermos os encantos?) mas essa oportunidade ainda não tinha surgido. Apareceu agora. Pude, finalmente, conhecer a ilha e fazer ainda aquilo que mais gosto – a Palestra Cancro com Humor e comer bem – serei sempre atraída pelo estômago.
Depois de um passeio diurno e noturno (estamos a ficar velhos e cansados mas ainda não estamos acabados!) pelo Funchal, mergulhámos, finalmente, pela natureza adentro. Eu e o Tiago damos sempre prioridade às caminhadas que nos envolvem nas paisagens, à gastronomia, ao mar. E a Madeira deu-nos isso tudo. O Pico do Areeiro tirou-nos a fala. A imponência daquele lugar “aumentou a nossa pequenez”. Deixámos que o tamanho daquelas montanhas nos mostrasse do que é feito o mundo. Tudo aquilo que vi e senti, as subidas absolutamente assustadoras que o carro percorreu, o vento que nos tocou em cada contemplação, o peixe do Ribeiro Frio que se desfez na boca, os pássaros que voavam soltos e livres mas sem medo das pessoas, ainda sinto. Ainda trago o novo que me acrescentou.
A par da descoberta, apresentei a Palestra Cancro com Humor a convite do Núcleo Regional da Liga Portuguesa Contra o Cancro da Madeira. Estava uma noite quente e as pessoas apareceram tão bonitas enchendo o auditório. Estava nervosa. Não queria defraudar todos os que tinham saído de casa para me ouvir. Tinha na plateia muitos sobreviventes mas também cuidadores, conheci pessoas com cancro que me avisavam que “precisavam de uma noite positiva”. Depois de me libertar da pressão e de assumir algum nervosismo, tudo fluiu. Certamente toda aquela emoção de conhecer os madeirenses pela primeira vez e de me sentir tão bem vinda, ajudou a que tudo se conjugasse.
O Tiago, que se emociona em todas as palestras mesmo já tendo visto centenas, quis fazer uma pergunta. É – mesmo dividindo uma casa e uma vida comigo, mesmo conhecendo a minha história ainda surgem perguntas. O amor quando cresce, nunca termina, nunca se esgota porque nunca se sabe tudo. E com aqueles olhinhos húmidos, com uma generosidade sem igual, pergunta-me o que acha que outros também quererão saber:
– Mas e se não formos como tu? E se não tivermos nascido com esse humor, com essa família? Como é que podemos ser humor na dor, se não nos for natural?
Agradeci-lhe a questão. Tenho refletido sobre ela. O humor não é só a piada que se consegue fazer. O humor não é só a gargalhada que se consegue arrancar. O humor é fazer bem. O humor é deixar o outro melhor. O humor é o estado de alegria, de paz, que se consegue ter e, por amor, se pode também transmitir aos outros. O humor é agarrar na mão do nosso amor, talvez em silêncio quando as palavras não couberem, e fazê-lo sorrir, porque se sorriu e faze-lo sorrir porque ele sabe, com aquele toque terno que não está sozinho.
Saí da Madeira diferente. Pelo menos, ainda mais consciente que, no início disto tudo reduzia o humor a uma coisa pequenina. Queria só fazer rir, omitia as lágrimas, tinha medo de falhar. Agora não. Agora o riso surge se tiver de surgir, choro sempre que me apetece e deixo que o humor surja, naturalmente, de pijama, desgrenhado, sem guião, sem pressão, apenas livre. Como os pássaros são na Madeira.
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