O partidarismo necrófago


O impenitente PS, obscenamente alheado das vítimas da sua incúria, debruça-se editorialmente sobre o discurso de Marcelo, discutindo o seu conteúdo e oportunidade, vitimizando o governo pelas palavras duras que o PR lhes devotou


É uma frase batida aquela de que os Portugueses só têm aquilo que merecem.

A leitura que eu faço no quadro actual, porém, não legitima tão grande fatalismo

É verdade que não deixa de ser absolutamente espantoso o ar cândido do Primeiro Ministro – num cenário patético e a espaços ofensivo, do novo spin de que os outros são contra os bombeiros, ao contrário do líder em reabilitação que agora se dá à encenação de entrevistas em garagens de quartéis de bombeiros – que depois dos dias em que pediu que não o fizessem rir, agora já admite com a sua costumada soberba e diletância que teriam sido subestimadas as (muito antecipadas) causas da desgraça dos incêndios de 15 para 16 de Outubro de 2017.

Pior que isso, enquanto as cinzas arrefecem e os mortos são sepultados, o impenitente PS, esse sim, obscenamente alheado das vítimas da sua incúria, debruça-se editorialmente sobre o discurso de Marcelo, discutindo o seu conteúdo e oportunidade, vitimizando o governo pelas palavras duras que o PR lhes devotou e pelas consequências que precipitou, e que podiam, na opinião destes abencerragens, naturalmente, prolongar e suspender o país na inacção e esperar pelo tal momento salvífico e redentor do próximo conselho de Ministros enquanto as cinzas e os cadáveres arrefecem.

Temos pois que, quinze dias depois, ao PS e seus sequazes só o poder e a sua manutenção (que julgam que lhes pertence como um direito natural e cujo exercício lhes parece insindicável por quem quer que seja) interessam.

Indignaram-se, poi, os escribas do dito jornal, e provavelmente também com os mortos (porventura pouco resilientes) que não esperaram, depois de Pedrogão, os meses suficientes para que qualquer coisa mudasse, devendo o país com mais de 100 mortos para enterrar estar dependente da importante agenda do PS ou do Governo para sentir, uma semana depois que alguém (passados os dois dolorosíssimos discursos de Costa) lhes desse uma palavra de esperança, conforto e futuro.

A verdade é que, feito o spin da obscenidade e do aproveitamento político que acabou com a votação hipócrita da moção de censura, onde os apoiantes do governo deixaram o governo sozinho mas o sustentaram, vem de imediato o novo spin da guerra palaciana que votou os caídos ao novo e futuro esquecimentos.

O PS, através do seu jornal, falou e ficou claro que a fractura do território que ainda fumega se mantém e é para durar, só o poder interessa só a “corte” de Lisboa releva, o país real é um acidente distante que acontece enquanto se gere o nepotismo e o festim à volta do orçamento espremido a todos.

Mas, ao abandono do PS, e à cumplicidade hipócrita do PCP e do BE, o país real e não só, o tal que os Portugueses merecem e que, ao contrário do Estado por estes dias, não costuma falhar, e multiplica-se em iniciativas e múltiplas acções solidárias.

Muito mais que apontar o óbvio desnorte que nos acometeu, interessa-nos agora e aqui realçar a espectacular solidariedade a que se vem assistindo nos Concelhos afectados.

Um pouco por todos os Concelhos carbonizados, que são a nova paisagem desta região vitimada da subestimação do Governo, acorrem, aos fins-de-semana e não só, centenas de voluntários (muitos estrangeiros) que oferecem gratuita, generosa e abnegadamente o seu tempo e trabalho na recuperação de casas e explorações e na proximidade humana com as populações desamparadas.

A solidariedade espontânea e apartidária está pujante e organizada localmente, e as populações, à margem das lutas palacianas de Lisboa, vão-se reerguendo e confortando, porque, estes, os (verdadeiros) Portugueses não os deixaram sozinhos e por isso bem hajam.

Estes Portugueses desmentem o fatalismo e merecem, efectivamente, tudo.

Já estes governantes e os seus partidos, neste cenário, é que não merecem o país que têm.

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990