1) Quase todos os dias, Ana Avoila, uma líder sindical da CGTP ligada à função pública e próxima do PC, entra-nos em casa a reclamar reposições e, mais recentemente, aumentos para os chamados funcionários públicos.
Quando há greves, então, a criatura (de cuja vida profissional nada se sabe a não ser que é uma eterna dirigente sindical) multiplica as aparições e apresenta números de adesão perfeitamente mirabolantes que, no terreno, não são confirmados, falando de forma cortante e arrogante contra os sucessivos governos e, agora (depois de uma fase mais moderada), até contra a geringonça.
Os trabalhadores do Estado merecem o maior respeito, são essenciais e abrangem um naipe de profissões tão essenciais como os médicos, os enfermeiros, os magistrados, os funcionários das repartições de todo o tipo de autoridades que se vão multiplicando de forma tentacular (os quais convém não confundir com os desgraçados dos polícias e guardas da GNR). As reivindicações que são apresentadas até são justas, nomeadamente quanto às reposições. Mas convém não exagerar. O país não está consolidado ao ponto de voltarmos à tripa-forra de Sócrates, com aumentos de 3,8% para a função pública, contributo essencial para a falência que vivemos. Por muito que custe, há que reconhecer que do ponto de vista orçamental, um trabalhador privado é uma receita e o do Estado é um custo, sendo a sua mais-valia o trabalho que presta aos seus concidadãos.
Ora, o que tem acontecido é que os privados foram quem mais pancada levou e levam, tendo de se virar de qualquer maneira porque estão num setor onde pura e simplesmente os empregos acabam de um dia para o outro e sem contemplações, sobrando-lhes o fundo de desemprego (quando são do quadro) ou a miséria pura e simples da qual muitos fogem emigrando.
No planeta Ana Avoila, nada disso acontece. Há estabilidade. Há aumentos regulares e, às vezes, há concursos para se subir na carreira ou para entrar no quadro. Na privada há o tudo ou nada. Há quem ganhe muito bem, mas há sobretudo quem seja explorado até ao tutano. É claro, hoje, que os trabalhadores intermédios do Estado até são geralmente mais bem preparados do que os da privada. Mas também é claro que têm mais apoios de formação e mais capacidade de defesa. É por isso que as proclamações reivindicativas de Avoila surgem às pessoas de fora do universo dela como um absurdo e contribuem para desvalorizar a imagem dos servidores do Estado. Estamos em tempo de Orçamento e de guerras sindicais e políticas, sendo Avoila uma correia de transmissão. Mas era bom que se olhasse para o efeito perverso que os movimentos que ela representa estão a ter na economia e, sobretudo, no exacerbar de tensões na sociedade, dividindo em vez de unir e fortalecer. Avoila usa um discurso jurássico, parado no tempo, como se nada tivesse mudado na sociedade em 30 anos, e que em nada promove o setor aos olhos dos cidadãos, apesar de ele se ter transformado muito em benefício de uma sociedade mais moderna, europeia, aberta e em defesa do Estado, que os seus funcionários representam em situações complexas que exigem altas qualificações. Mesmo assim, e por causa das “avoilices”, segue um conselho grátis: evite-se consultas, julgamentos, deslocações de comboio, marcações na Segurança Social e por aí fora às sextas-feiras.
2) Políticos, analistas e jornalistas têm comentado abundantemente a tensão que se verificou entre o Presidente Marcelo e António Costa depois dos incêndios mais recentes, que terão causado 45 mortos, a somar aos de Pedrógão e outros.
A divergência entre ambos os poderes tem a ver com o que não foi feito entre Pedrógão e os segundos grandes fogos em termos de prevenção. Foi essa falha que levou Marcelo a uma dureza que o governo estranhou por supostamente ter informado o Presidente de todos os planos que estava a preparar para o conselho de ministros extraordinário que veio a ocorrer, mas só depois de novo drama.
Talvez esta fosse a oportunidade para o país ser informado dos temas e da forma como Marcelo e Costa trataram a matéria nas muitas reuniões semanais que mantiveram entre os dois sinistros. Terá o presidente apertado a sério com o governo sobre a prevenção? Ou terá insistido mais na reparação dos danos de Pedrógão e dos apoios às vítimas e familiares? Só sabendo o que se passou e convencionou entre ambos nas reuniões é que se poderia tirar conclusões políticas e comportamentais. Mas existe o acordo explícito de que as conversas entre chefes de Estado e de governo ficam sempre entre ambos, como Costa explicou domingo em entrevista à TVI. No tempo de Eanes e Balsemão, chegou-se ao ponto de cada um levar um gravador para a eventualidade de ter de repor a sua verdade depois das fugas que sistematicamente aconteciam. Fala-se muito em transparência, mas há muita coisa que fica de fora. Basta lembrar que ninguém conhece atas das reuniões com a troika, permitindo perceber quem propôs o quê.
Jornalista