Portugal é o país do minifúndio. Não nos referimos à propriedade rústica, não nos encaminhamos para uma leitura cabouqueira da habitação, nem olhamos, sequer, para a forma como se organizam os espaços de trabalho na esmagadora maioria das empresas ou instituições. Portugal é o país do minifúndio no pensamento, na forma como se estrutura na leitura dos grandes espaços de decisão, como reparte essa decisão para que, na partilha, se dilua a responsabilidade.
Os portugueses mais atentos devem questionar-se sobre as razões que levam a que, perante a possibilidade de incorporação de um grupo de comunicação social num ainda maior grupo, internacional, de comunicações, as entidades públicas se expressem através de pareceres autónomos, de leituras políticas divergentes, de princípios relativos ao interesse público díspares.
O chamado negócio Altice/TVI deve fazer-nos ponderar sobre o estado da nossa regulação no campo das comunicações e deve obrigar a uma nova leitura sobre a viabilidade de existência de dois reguladores segregados.
A pergunta que se põe é simples – o que acontece nos restantes países no que se refere à comunicação social e às comunicações? A resposta é também simples – na maior parte dos Estados europeus existe uma incumbência comunitária de existência de regulador na área das comunicações, mas não existe a mesma obrigação no setor da comunicação social.
A comunicação social reveste, na esmagadora maioria dos países, a forma de entidade da administração direta e só, em tempos recentes, fruto da emergência da regulação partilhada dos conteúdos, é que se iniciaram outras leituras institucionais.
Importa, quando falamos de regulação, olhar o património estrutural do Reino Unido. É de lá que recebemos as primeiras influências da autonomização da regulação e supervisão, é de lá que ponderamos as consagrações teológicas sobre os novos tempos que em cada setor se avizinham.
O Reino Unido já consagrou a sua agência única, a Ofcom, que tem todas as competências regulatórias das comunicações e das suas lateralidades. Porém, quando olhamos para a nossa realidade, a possibilidade de se ponderar a integração da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), num só regulador, deixa os cabelos em pé à esmagadora maioria dos agentes conviventes com estas entidades, promove uma espécie de sacrilégio que a academia, ao arrepio do interesse público e em benefício dos interesses pelos estudos e assessorias, sempre difunde.
Quando, no processo de leitura sobre os reguladores, desenvolvido entre 2012 e 2013, promovido pelas implicações do Memorando de Assistência Financeira que Portugal acordou com a Comissão Europeia, o BCE e FMI, se estudavam os universos de ação dos reguladores, houve uma primeira tentativa de juntar a ANACOM com a ERC, logo se levantaram as vozes em defesa do seu “pouso” em negação das vantagens de uma melhor e inadiável leitura das obrigações públicas.
Regressemos um pouco atrás. No início deste século, a ERC e a ANACOM, conscientes da sobreposição de competências, assinam um protocolo de articulação e de troca de informação em vastíssimos campos de atuação. Esse texto de 13 de junho de 2007 olhava a planificação do espetro, as atividades de radiofusão e o controlo da legalidade das atividades dos operadores no que refere às licenças e composição do capital social dos tais operadores.
Estes universos, uma significativa mão cheia de trabalhos de ambos os reguladores, não antecipava, ainda, o prodigioso campo dos conteúdos que, nos últimos anos, se tem transformado em dores de cabeça dos poderes públicos. Mas a existência de competências sobrepostas fazia antecipar a ponderação de concentração numa só entidade, de melhoria da determinação das obrigações, do seu controle e fiscalização, agregados à ação punitiva.
O processo relativo à Televisão Digital Terrestre (TDT), assumido pela ANACOM como cabeça de casal e pela ERC como partner, foi um outro campo de leituras individualistas, raramente concordantes. Está claro que todo o procedimento só foi entregue à ANACOM porque esta entidade reúne em si competências que deveriam ser observadas por uma direção-geral. A TDT não cabe nas habilitações dos reguladores, mas foi assumida, com as falhas e o preço elevado que hoje se conhecem, pelos reguladores. O poder político o que fez foi passar a batata quente…
Não tem razão, pois, a Prof. Fátima Barros quando afirma que os universos de atuação das duas entidades que vimos referindo não são coincidentes. Os universos regulatórios são coincidentes e complementares e os que são específicos também poderiam ser tratados, porque resultam de licenciamento, conformidade, verificação de concessões e registo, por uma direção-geral. O país deveria ter uma direção-geral das comunicações e um regulador sectorial para as comunicações.
Também não tem razão a Prof. Fátima Barros quando diz que o que deveria acontecer era um reforço da ANACOM na área dos conteúdos, ficando esta com o filet mignon e a ERC com a tralha burocrática. É, aliás, este comportamento que desgradua as opções de académicos puros, mesmo que reconhecidos, para as funções de regulação, porque transportam para elas os vícios da endogamia estrutural da universidade e do centrismo de opções, uma espécie de ilha saudável no deserto descredível.
Um outro argumento, agora usado pelo lado da comunicação social, é o da distinção constitucional da natureza dos entes. A ANACOM revela-se na iniciativa legislativa dos governos, a ERC delimita-se na sua implicação pela norma constitucional e pela especificidade na designação dos membros do conselho regulador. Ora, fazendo cumprir a Constituição e seguindo a evolução do pensamento no que se refere ao papel do parlamento, até do Presidente da República, na designação dos reguladores, poderia a direção do novo ente, subsequente da agregação da ANACOM e da ERC, ser escolhido pelo parlamento e, por essa via, cumprir cabalmente a natureza especial que lhe é concedida.
Há, depois, as máquinas burocráticas. Estas serão, em muitas circunstâncias, os motivadores da rejeição do novo enquadramento por parte dos partidos parlamentares. Mas é exatamente aí que mais se deve consagrar o princípio da separação de atividades – as que são tecnicamente regulatórias devem ter observações estatutárias exigentes e, por consequência, remunerações e direitos especiais. Já não se compreende que atividades comuns, transversais e sem os requisitos da regulação técnica e económica ou da consagração dos regimes de supervisão, tenham que comportar estatutos de pessoal mais elevados que os comuns na administração direta.
Para mais, a falta de tração deste Regulador ao mercado tem obstado a novo investimento nacional e internacional. Como podemos esperar esse investimento, num setor de capital intensivo, se não existe efetiva segurança jurídica e garantia de eficácia por parte do regulador? Conhecem alguém que tenha apresentado processo ou reclamação junto da ANACOM e visto o seu problema resolvido com rapidez e critério?
O país precisa, em tempo próximo, de voltar a questionar-se sobre os reguladores. Mais, os reguladores precisam de se questionar sobre o seu futuro. Se assim não acontecer estaremos a implicar com os deveres do Estado, com as suas obrigações primeiras de defesa do interessa público.
Deputado do Partido Socialista