Eleições. “Na Áustria nunca se tinha visto nada assim”

Eleições. “Na Áustria nunca se tinha visto nada assim”


Wolfgang C. Müller é um dos mais prestigiados politólogos da Austria. Professor na Universidade de Viena, conversou sobre a crescente popularidade da extrema-direita na Austria e a vitória de Sebastian Kurz, o mais jovem líder de sempre


Sebastian Kurz acabara de vencer as eleições austríacas ficando na História como o mais jovem chanceler de sempre. Remodelou o Partido Popular (ÖVP) com uma campanha de teor claramente populista, centrando-se na crise humanitária dos últimos três anos e da corrente de migração que os Balcãs ainda não viram ter fim.

Prometeu reforçar as políticas contra os imigrantes e o povo austríaco gostou que um partido mais central se focasse nessa problemática, sem que assim fossem conotados como simpatizantes do Partido da Liberdade (FPÖ), marcado como extrema-direita.

Ainda assim, apesar dos conservadores ganharem as eleições, a Europa não deixou de arregalar os olhos à conquista de eleitorado por parte do FPÖ que, tendo em conta a história do país, não é sinal de bom agoiro. Kurz ainda não apresentou a estrutura do novo governo e, portanto, ainda não se sabe com quem fará aliança.

Estava já à nossa espera, cabisbaixo e pouco sorridente. Wolfgang C. Müller é um dos mais prestigiados professores da Universidade de Viena especialista em Ciência Política.

Müller convida-nos a sentar no seu escritório em Rooseveltplatz, num dos edifícios da Universidade de Viena. A sala está rodeada de livros, pergunto-lhe se já os leu todos e dá finalmente uma gargalhada.

“Uma pessoa quer os livros para se sentir confortável rodeado por eles, sempre com o optimismo que um dia lá terá tempo para chegar até eles. É bom saber que os tenho caso precise deles e embora já tenha lido muitos livros, não me posso gabar de os ter lido todos”. Percebe-se perfeitamente, às centenas de obras literárias que estão à vista, não seria fácil que um homem tão ocupado, cuja carreira de docente já se estendeu a diferentes continentes e a algumas das mais famosas Universidades, conseguisse dar conta de todo o recado.

Não tem muito tempo, lá fora está já uma fila de alunos com marcação para falar com Wolfgang, que dirige investigação e lidera o departamento de Governança Democrática da Universidade. Percebe-se rapidamente que não vai ter muito tempo para conversas, ainda assim, faz-nos sinal para que fossemos diretas ao assunto.

“O que é que se pode ler dos resultados desta eleição, inclusivamente com o FPÖ a ganhar terreno?”, pergunto-lhe. Não mostra qualquer tipo de hesitação, muito menos surpresa por assistir ao crescimento de popularidade do partido da extrema direita. “Em primeiro lugar temos de ver que a força do Partido da Liberdade é a mesma que o partido já tinha há alguns anos”, começa por elucidar. “Em 1999 tinham exatamente o mesmo impacto que conseguiram ter hoje. Já foi há alguns anos, mas já se tinha provado antes que o partido conseguia atingir aqueles níveis de popularidade e, tendo em conta a agenda deste partido e que o único problema pelo qual eles realmente se interessam foi tão alimentado nos últimos dois ou três anos, devido à crise da imigração descontrolada fora da Europa, claro que isto jogou a favor deles provando que de alguma forma estavam certos sobre o que anunciavam há tantos anos”, conclui.

A crise humanitária veio de encontro ao “discurso que eles defenderam durante tantos anos e o governo foi completamente incapaz de gerir esta situação e isto é uma consequência”, uma vez que, segundo o professor, terá levado o eleitorado a reagir. Na opinião de Müller, tanto o governo austríaco como o alemão guiaram-se por um “medo preguiçoso”. “Isto não é propriamente a imagem que a maioria da população daqui espera de um governo. O governo está cá para manter o país em ordem e ficou provado que eles não foram capazes de controlar os desafios que tinham à sua frente”, frisa.

O especialista em política austríaca acha que “a sorte” foi que tanto o Partido Social-Democrata, quanto o Partido Popular renovaram as suas estruturas e comunicação, “caso contrário o Partido Popular poderia ter conseguido muito mais apoio e ter sido o partido mais forte. Penso que os democratas melhoraram muito com o novo líder, e no caso do Partido Popular o que aconteceu foi espetacular”, comenta. “ Na Áustria nunca se tinha visto nada assim, uma simples pessoa fazer tanta diferença”. O partido já havia tentado esta “proeza” várias vezes no passado, mas desta vez funcionou tendo sido também criada “a imagem de que as coisas não iriam ficar na mesma”, sublinha.

“Kurz, na minha opinião, é muito talentoso. Podemos dizer que tem carisma e penso que o mais impressionante e que tornou tudo isto como uma estratégia de sucesso foi que ele não só é um grande comunicador, como também é de notar que a sua biografia desde que chegou à política nunca contradisse o que ele defende hoje em dia”, comenta com ar de quem nos está a contar um segredo. “Quando ele se tornou secretário de Estado com apenas 24 anos, ficou com a pasta da integração e sempre teve esta estratégia de dualidade em que numa mão ajudava e tentava integrar os emigrantes – vindos maioritariamente da Turquia – mas por outro lado também criava desafios que puxassem por eles, não se limitando apenas a apresentar ofertas”, explica.

Nas ruas de Viena, as pessoas comentavam connosco ter esperança que Kurz se tenha apropriado de um discurso populista para conquistar votos, mas que na hora da verdade não chegue a ser “tão mau como fez parecer”. Quando perguntamos a Müller a sua opinião, é contido. “Bem, ainda falta tudo acontecer. A sua biografia política não tem uma única contradição. Por outro lado, penso que ele foi empreendedor e beneficiado pela sorte, uma vez que reclama o facto de ter participado nas tentativas de encerramento da rota de migração dos Oeste dos Balcãs. Pelo menos, é o que ele vende como o seu maior sucesso, e o que é certo é que vender essa ideia faz parte do seu próprio sucesso”, garante. Já a terminar a curta conversa que tivemos, o professor universitário garante-nos que em termos universais, por muito que as pessoas estejam descontentes com os sistemas políticos vigentes, este “modelo democrático continua a ser a melhor solução possível”. Arrematando: “ Esperemos todos que se mantenha, para nosso próprio bem”.