Adúlteras para a fogueira!


A sua companheira é adúltera? Então faça o favor de (em bom português) lhe chegar a roupa ao pelo ou dar-lhe uma valente carga de lenha! Aqui na Lusitânia é assim! Na coutada do macho latino, a fêmea não tem voto na matéria. Não há essas modernices de liberdade para a mulher! 


A mulher quer-se em casa, a tratar do lar, e só abre a boca se o homem quiser! E se levantar a grimpa leva umas vergastadas. E não se preocupe que, no máximo, fica com pena suspensa – perdoem-me a generalização dos círculos judiciais. 

Bem, na verdade, e no que se refere ao que se passou em Felgueiras em 2014, não foram umas vergastadas, foram mesmo umas marretadas e com uma moca com pregos! É que este macho era dos verdadeiros! Vergastadas é para meninos!

Não há atenuantes para qualquer forma, género ou intensidade de violência, mas quando li a notícia pensei que me ia deparar com uns tabefes ou uns amassos, vá (igualmente condenáveis e reprováveis) – mas não! Foi marretada da grossa para que aquela adúltera promíscua aprendesse a lição!

Não é ficção nem é anedota. É um episódio real, em pleno séc. xxi e num país da União Europeia! E infelizmente não é caso isolado nem tão-pouco se cinge apenas ao género feminino. Sim, porque ele há por aí muito macho latino que também leva uns calduços de vez em quando.

Ironias à parte – ainda que o assunto não seja para brincadeiras, mas a utilização de vocabulário mais corriqueiro e popular foi a única forma que encontrei para não escorrer palavrões pesados por este texto fora –, quando li os excertos do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, citando a Bíblia, o Código Penal de 1886 e, pasme-se, civilizações em que o adultério é punido com a morte, “vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído”, não queria acreditar.

Eu compreendo que haja gente diminuída intelectualmente, que existam pessoas que por força da vida não tenham tido a possibilidade de estudar, outras que, por um motivo ou outro, não tenham capacidade de argumentar e se defender sem recorrer à violência, a sério, entendo e até, de certa forma, aceito esta forma de ignorância. Agora, um acórdão de um Tribunal da Relação produzir tamanha verborreia e fundamentar nestes argumentos a sua decisão? Não atinjo!
É uma linha de argumentação que nem considero machista, mas sim neandertal. Aceito que pudesse haver atenuantes para ilibar o agressor se fosse, por exemplo, doente mental. Mas, ainda assim, tem de haver bom senso na fundamentação de decisões de um tribunal. Correção: ilibado não, porque, efetivamente o agressor foi condenado, ficou com pena suspensa logo em primeira instância, a qual foi depois confirmada pela relação no brilhante acórdão. É que a barbaridade é atenuada não em uma, mas em duas instâncias, por um coletivo de juízes, por unanimidade e, cherry on top, em que figura uma mulher.

Para a monstruosidade ser perfeita só faltou uma ou outra referência à Idade Média e umas tiradas do género: “serviu de atenuante o facto de o homem traído não ter colocado a mulher na fogueira” ou “mesmo que irado pela desfaçatez da adúltera promíscua e do gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem, o nobre macho teve a clemência de não a desmembrar”. 

Depois disto, já só espero que não siga para o Constitucional!

Escreve à quinta-feira