Não, não se trata de nenhuma evocação da insurreição dos bolcheviques, liderados por Vladimir Lenine, contra o governo provisório, em 25 de outubro de 1917 (pelo calendário juliano) e 7 de novembro (pelo calendário gregoriano), nem tão-pouco de alguma exaltação marxista que ignore os gulags, campos de concentração que acolhiam quem pensava diferentemente do regime comunista.
A revolução de outubro é tristemente marcada por uma renovada onda de incêndios que, para além de provocar a morte de 109 cidadãos, produziu 520 mil hectares de área ardida – o pior ano de sempre. Revolução porque marca um conjunto de ruturas importantes nas relações políticas e deve implicar alterações no modelo de organização da prevenção e combate aos incêndios florestais.
Em outubro ficou claro que a convergência presidencial tem limites. Os embevecidos com a convergência entre governo e Presidente ficaram a perceber o erro que pode ter sido o PS não ter tido oficialmente, pela primeira vez, um candidato presidencial nas últimas eleições. Não que a realidade, a insensibilidade e a incompetência do governo e do primeiro-ministro na abordagem à situação calamitosa dos incêndios florestais pudessem suscitar outra atitude, mas não há convergências para a vida.
Em outubro ficou evidente que a direita, mesmo com uma oposição tolhida pelo que foram os quatro anos da sua governação, não hesita em recorrer aos mesmos mecanismos constitucionais a que o BE e o PCP recorreram no passado, sem pingo de sentido de responsabilidade. A diferença é que, comprometidos com a solução governativa, PCP e BE não têm o mesmo padrão de censura do passado. O crivo mudou.
Em outubro ficou transparente que PCP e BE estão com a solução governativa apenas para o bife do lombo; quando for para roer o osso, o PS fica sozinho na empreitada. Qualquer que tenha sido a articulação das opções e das estratégias políticas no quadro da solução governativa, já ninguém se coíbe de divergir nos discursos políticos, apesar de no crucial momento da verdade, o da votação, manterem o voto de amarração. Agora, tal como no plano local, já não se coíbem de exercitar o preconceito ideológico, a divergência estratégica ou o enunciado de outras visões, ainda que, ao invés do que acontece no território, com fracos resultados eleitorais, se acabem por entregar nos braços da solução governativa.
Em outubro, no centenário da Revolução de Outubro, o PCP continua a exultar a URSS e suas conquistas, enquanto sustenta saídas do euro e da União Europeia para soluções nacionalistas e isolacionistas que não foram permitidas aos cidadãos e aos povos da União Soviética e só existirão de forma aproximada na Venezuela, em Cuba ou na Coreia do Norte.
No nosso outubro, o estado de necessidade aguça o engenho da procura de soluções imediatas e estruturais para a evidente falência da capacidade de resposta do Estado para a realidade e a intensidade dos incêndios florestais, para a proteção dos cidadãos perante os riscos e para o socorro em situação de emergência.
O Estado tem um modelo estático de organização, quando a realidade é dinâmica.
Enquanto houver esse desfasamento entre a resposta e a realidade, num país que não é igual, enquanto não se interiorizar o risco nas nossas vidas e enquanto se persistir em não ligar aos sinais, em não existir sustentabilidade nas opções políticas e em não valorizar o interior, será difícil responder aos desafios como o dos incêndios florestais, mas também o do risco sísmico ou das cheias.
Portugal precisa de repensar o povoamento florestal e o povoamento do interior. Apesar de terem sido anunciadas desde 2015, não houve medidas sólidas de valorização do interior que invertam, por exemplo, o despovoamento e o envelhecimento da população. O Orçamento do Estado para 2018, para além da resposta à questão dos incêndios florestais, é mais uma oportunidade para dar expressão real à intenção de valorizar o interior e o mundo rural. Há todo um país sem expressão mediática que espera, há demasiado tempo, por mais que declarações de intenções.
Portugal precisa de respostas geograficamente diferenciadas de socorro e de emergência em função dos riscos existentes, de dispositivos com capacidade de ataque inicial e de soluções estáveis que não mudem com os governos, mas possam adaptar-se às exigências operacionais, correntes e excecionais. É preciso informação, rotinas e resiliência para os riscos.
Portugal precisa de um trabalho sustentado de proteção civil porque os riscos são permanentes, as ocorrências não atendem à organização territorial e a exigência, até pelas alterações climáticas, é crescente. Sendo agora evidentes os riscos dos incêndios florestais, continuam a ser negligenciados os riscos sísmicos, as cheias e as alterações climáticas.
É preciso integração, coordenação e mobilização. Foi um disparate não preencher o cargo de governador civil, que assegurava coordenação política na prevenção e no combate; será um disparate prescindir ou menorizar a importância dos bombeiros voluntários e é ridículo replicar respostas em várias instituições, sem qualquer esforço de integração. Porque terão os bombeiros voluntários, a GNR através dos GIPS, as Forças Armadas e a Força Especial de Bombeiros (canarinhos) valências comuns replicadas?
É tempo de agir, com os pés no chão, com meios e com sentido de futuro. Agir para os bons e os maus momentos. Tal como na Revolução de Outubro, alguns só estarão nisto para os aspetos positivos.
NOTAS FINAIS
O preconceito ideológico não permite admitir alguém que vem da Navigator Company à frente da estrutura de missão para os incêndios rurais, mas convive bem com o recrutamento para o governo de quem meteu a mão na massa da configuração do SIRESP enquanto gravitava na órbita das amizades do primeiro-ministro.
Um acórdão do Tribunal da Relação do Porto redigido pelo juiz desembargador Neto de Moura, e assinado também pela magistrada Maria Luísa Arantes, atenua de forma ignóbil a violência doméstica, invocando o adultério e a Bíblia. Era tão bom que a indignação gerada pudesse também ser mobilizada para outras realidades menos mediáticas.
Militante do Partido Socialista, Escreve à quinta-feira