Gastar energia é impossível…mas sem energia não há valor económico


Há 150 anos precisávamos de uma unidade de exergia útil para produzir um euro de batatas e trigo, hoje precisamos de uma unidade de exergia útil para produzir um euro de automóveis, consultas médicas ou serviços financeiros.


Todos nós dizemos frases como “a lâmpada está a consumir energia”. Esta frase, no sentido estrito do termo, está errada. O que Lavoisier famosamente disse, no séc. xviii (antes de, literalmente, perder a cabeça…), foi que “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Em particular, a energia não se cria, não se perde, só se transforma. Portanto, no sentido estrito do termo, uma lâmpada não consome energia, ela transforma energia, concretamente, energia elétrica em energia luminosa e calor. 

Apesar de todos sabermos o que queremos dizer quando dizemos “o computador gasta energia”, a frase correta é, na verdade, “o computador gasta exergia”. A exergia é que exprime a capacidade de a energia fazer coisas (de “exercer” um esforço). Assim, com a eletricidade que entra na lâmpada, eu posso fazer muitas coisas depois de ela ser transformada em luz e calor. Nessa luz e calor está a mesma energia, mas eu, com essa luz e esse calor, já não faço o mesmo que faria com a eletricidade. Portanto, a eletricidade que entrou na lâmpada tinha uma exergia mais alta do que a exergia que saiu com a luz e o calor.

A situação é a mesma que acontece com a água. Na verdade, a expressão “gastar água” também está errada. Quando abrimos a torneira e usamos água para lavar as mãos, não se ganha nem se perde. Mas, de facto, gastamos água limpa (e criamos água suja). A energia com alta exergia é a água limpa, e a energia com pouca exergia é a água suja.

Toda a atividade económica requer necessariamente transformações de energia, isto é, gastos de exergia. Para compreender o papel dos fluxos de energia na economia é conveniente distinguir três etapas: primária, final e útil. Energia primária é, por exemplo, o carvão que está debaixo do solo; chama-se assim porque ainda não foi sujeita a nenhuma intervenção humana. Esse carvão depois é extraído e transportado para uma central termoelétrica, onde é transformado em eletricidade. A essa eletricidade chamamos energia final, e corresponde à energia que é vendida pelas empresas do setor energético. Esta eletricidade entra depois na lâmpada e é transformada em luz. É esta a fase a que chamamos útil.

Para perceber melhor estas etapas, convém considerar as categorias em que se dividem. A energia primária inclui categorias como petróleo, eletricidade hidroelétrica e de outras fontes renováveis, carvão, gás natural, biomassa. A energia final inclui categorias como eletricidade, gasolina, gasóleo. A energia útil inclui categorias como força motriz (o trabalho mecânico feito por motores estacionários, motores elétricos de uma fábrica, ou a nossa máquina de lavar a loiça e os motores do carros, dos comboios, dos aviões), a luz, outros usos elétricos (computadores e toda a maquinaria das tecnologias de informação), calor, trabalho muscular. 

Para compreender a criação de valor económico, a fase que nos interessa é a fase útil: o que cria valor económico não é nem o carvão nem a eletricidade que vai para a lâmpada, mas sim a luz que sai da lâmpada.

Medindo a energia na economia portuguesa, com base em exergia, e na fase útil, isto é, medindo exergia útil, descobrimos um facto assombroso: ao longo dos últimos 150 anos da história de Portugal foi sempre necessária uma unidade de exergia útil para produzir um euro de PIB. Há 150 anos precisávamos de uma unidade de exergia útil para produzir um euro de batatas e trigo, hoje precisamos de uma unidade de exergia útil para produzir um euro de automóveis, consultas médicas ou serviços financeiros. 

Existe, assim, uma realidade física concreta por trás do valor monetário das coisas. Sem energia não existe valor económico – será que a energia é a verdadeira medida do valor económico?

Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico


Gastar energia é impossível…mas sem energia não há valor económico


Há 150 anos precisávamos de uma unidade de exergia útil para produzir um euro de batatas e trigo, hoje precisamos de uma unidade de exergia útil para produzir um euro de automóveis, consultas médicas ou serviços financeiros.


Todos nós dizemos frases como “a lâmpada está a consumir energia”. Esta frase, no sentido estrito do termo, está errada. O que Lavoisier famosamente disse, no séc. xviii (antes de, literalmente, perder a cabeça…), foi que “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Em particular, a energia não se cria, não se perde, só se transforma. Portanto, no sentido estrito do termo, uma lâmpada não consome energia, ela transforma energia, concretamente, energia elétrica em energia luminosa e calor. 

Apesar de todos sabermos o que queremos dizer quando dizemos “o computador gasta energia”, a frase correta é, na verdade, “o computador gasta exergia”. A exergia é que exprime a capacidade de a energia fazer coisas (de “exercer” um esforço). Assim, com a eletricidade que entra na lâmpada, eu posso fazer muitas coisas depois de ela ser transformada em luz e calor. Nessa luz e calor está a mesma energia, mas eu, com essa luz e esse calor, já não faço o mesmo que faria com a eletricidade. Portanto, a eletricidade que entrou na lâmpada tinha uma exergia mais alta do que a exergia que saiu com a luz e o calor.

A situação é a mesma que acontece com a água. Na verdade, a expressão “gastar água” também está errada. Quando abrimos a torneira e usamos água para lavar as mãos, não se ganha nem se perde. Mas, de facto, gastamos água limpa (e criamos água suja). A energia com alta exergia é a água limpa, e a energia com pouca exergia é a água suja.

Toda a atividade económica requer necessariamente transformações de energia, isto é, gastos de exergia. Para compreender o papel dos fluxos de energia na economia é conveniente distinguir três etapas: primária, final e útil. Energia primária é, por exemplo, o carvão que está debaixo do solo; chama-se assim porque ainda não foi sujeita a nenhuma intervenção humana. Esse carvão depois é extraído e transportado para uma central termoelétrica, onde é transformado em eletricidade. A essa eletricidade chamamos energia final, e corresponde à energia que é vendida pelas empresas do setor energético. Esta eletricidade entra depois na lâmpada e é transformada em luz. É esta a fase a que chamamos útil.

Para perceber melhor estas etapas, convém considerar as categorias em que se dividem. A energia primária inclui categorias como petróleo, eletricidade hidroelétrica e de outras fontes renováveis, carvão, gás natural, biomassa. A energia final inclui categorias como eletricidade, gasolina, gasóleo. A energia útil inclui categorias como força motriz (o trabalho mecânico feito por motores estacionários, motores elétricos de uma fábrica, ou a nossa máquina de lavar a loiça e os motores do carros, dos comboios, dos aviões), a luz, outros usos elétricos (computadores e toda a maquinaria das tecnologias de informação), calor, trabalho muscular. 

Para compreender a criação de valor económico, a fase que nos interessa é a fase útil: o que cria valor económico não é nem o carvão nem a eletricidade que vai para a lâmpada, mas sim a luz que sai da lâmpada.

Medindo a energia na economia portuguesa, com base em exergia, e na fase útil, isto é, medindo exergia útil, descobrimos um facto assombroso: ao longo dos últimos 150 anos da história de Portugal foi sempre necessária uma unidade de exergia útil para produzir um euro de PIB. Há 150 anos precisávamos de uma unidade de exergia útil para produzir um euro de batatas e trigo, hoje precisamos de uma unidade de exergia útil para produzir um euro de automóveis, consultas médicas ou serviços financeiros. 

Existe, assim, uma realidade física concreta por trás do valor monetário das coisas. Sem energia não existe valor económico – será que a energia é a verdadeira medida do valor económico?

Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico