Tive a oportunidade de participar esta semana, em Florença, num seminário organizado pela Escola Superior da Magistratura, dedicado ao tema genérico da independência e imparcialidade de juízes e procuradores.
O seminário incluiu vários tópicos, todos relacionados com o tema principal, e contou com a participação de figuras tão relevantes no panorama jurídico e da cultura judiciária europeia como os professores Luigi Farrrajoli e Paolo Carroza, o diretor da conhecida revista “Les Cahiers de la Justice”, Denis Salas, e Antonello Mura, antigo presidente do Conselho Consultivo dos Procuradores Europeus.
Propunha-se o referido seminário abordar questões como a ética do sistema judiciário, a independência e a accountability das magistraturas, a autonomia versus independência do Ministério Público (MP) e transmitir também, através delas, uma visão comparada dos diferentes sistemas judiciários que dão corpo ao poder judicial na Europa.
Um dos aspetos que desde logo ressaltaram das intervenções ocorridas durante o seminário por parte de alguns dos seus assistentes foi o do seu centramento constante da discussão do modelo e da cultura própria do sistema judiciário dos respetivos países.
Depois de todos estes anos, continua a ser difícil a muitos juristas e muitos magistrados europeus refletirem sobre os problemas que os afetam – e eles, afinal, são quase sempre comuns – fora dos quadros de organização, pensamento e cultura nacionais.
Apesar de todos os esforços de divulgação e de estudo comparado dos diversos sistemas judiciários protagonizados pelas instituições europeias, poucos são os juristas que realmente conhecem bem a estrutura e filosofia dos principais modelos de organização dos tribunais, da magistratura judicial e do MP dos outros países.
Se as linhas gerais que separam os sistemas de direito continental e de direito anglo-saxónico são, no essencial, conhecidas de todos, já no que respeita às principais diferenças existentes no seio dessas duas importantes famílias jurídicas, o desconhecimento é grande.
A própria análise que, em geral, é feita das vantagens e desvantagens dos diferentes modelos tem quase sempre como ponto de partida os defeitos e qualidades do sistema nacional do país em que a discussão acontece.
Isso sucede, em regra, porque a apresentação dos sistemas judiciais dos diferentes países esquece, as mais das vezes, a razão de ser histórica que os determinaram.
Com efeito, se parece fácil e razoável criticar um ou outro aspeto concreto de uma dada opção estranha a partir da história própria, o conhecimento das motivações políticas e culturais alheias que confinaram tal opção pode permitir alcançar melhor e de maneira diferente as causas que para ela foram determinantes.
Não quero com isto defender um qualquer relativismo que condicione a apreciação da maior ou menor adequação aos princípios democráticos de diferentes soluções ou sistemas judiciários.
O que pretendo sustentar é – perante auditórios quase sempre alheios às particularidades da história das nações – a necessidade de as exposições sobre tais sistemas incluírem as motivações políticas que fundamentaram, em cada momento, as opções que foram feitas.
Por vezes acontece que aquilo que nos parece à partida aberrante num outro sistema tem razões válidas no contexto do mundo que o adotou.
Por exemplo: a proibição constitucional da existência de tribunais penais especializados por tipos de crime em Portugal só pode ser compreendida se for conhecida a triste história dos tribunais plenários antes do 25 de Abril.
Jurista
Escreve à terça-feira