A Alemanha teve eleições há precisamente um mês, das quais resultou uma quarta vitória de Merkel. Não obstante, esta ainda não formou governo, porque não concluiu as negociações para obter uma coligação que lhe permita obter um apoio maioritário no parlamento. Não passa efectivamente pela cabeça de nenhum alemão ter um governo sem o apoio da maioria dos deputados.
Em Portugal, pelo contrário, o governo pode viver sem qualquer apoio no parlamento, ou até mesmo à margem dele. O programa do governo é discutido no parlamento, mas não é votado, só caindo o governo se algum partido conseguir fazer aprovar uma moção de rejeição. O governo poderia apresentar moções de confiança no parlamento, mas raramente o faz, parecendo que não precisa da confiança do parlamento para nada. E as moções de censura, que de facto poderiam fazer cair o governo, são completamente blindadas pela Constituição, que exige, para poderem ser aprovadas, o voto favorável da maioria absoluta de deputados em efectividade de funções. Mas, apesar disso, parece haver um enorme pudor dos partidos da oposição em recorrer ao instrumento parlamentar mais óbvio para censurar o governo, raramente o fazendo.
Só isto explica a reacção que os partidos da esquerda (e até o PSD) tiveram perante a apresentação de uma moção de censura pelo CDS. Mesmo não tendo condições para ser aprovada, a moção de censura é a resposta parlamentar mais lógica à inépcia política que este governo demonstrou na gestão dos fogos de Verão. Essa inépcia foi, aliás, reconhecida pelo próprio governo, ou nunca se teria demitido a ministra da Administração Interna. Perante o desespero de tantas famílias que perderam os seus entes queridos e as manifestações de rua que têm ocorrido, um parlamento que não discutisse neste momento a censura ao governo seria um parlamento completamente alheado da situação do país.
Não faz, por isso, qualquer sentido o clamor político das virgens ofendidas que se têm manifestado contra a moção de censura. O PSD actual diz que não está no seu ADN apresentar moções de censura, parecendo assim que não está no seu ADN fazer oposição no parlamento. O PCP protesta contra as manobras parlamentares, confirmando que prefere a oposição nas ruas. O BE acusa o CDS de oportunismo político, uma área em que, como se sabe, o BE dá cartas. Quanto ao PS, lembra-se de criticar as opções florestais do tempo em que Cristas foi ministra da Agricultura, omitindo convenientemente as consequências da desastrosa gestão de António Costa como ministro da Administração Interna, que é o sector que está em causa. E há alguns articulistas que acham que a moção de censura vai ser um favor ao governo, pois permitirá unir a esquerda a seu lado. Ora, a esquerda está unida desde o início, ou a geringonça nunca existiria. Se a moção de censura impedir que os partidos de extrema-esquerda tentem descolar agora do governo que sempre apoiaram, excelente. Como disse o Presidente, se o apoio parlamentar deste governo não passa de um equívoco, há que esclarecê-lo já.
A moção de censura é, assim, uma boa iniciativa parlamentar que só é pena não seja mais usada no nosso país. Por minha parte, sempre preferi uma oposição de combate político a uma oposição de meninos bem-comportados. Uma oposição que se limite a esperar que o governo lhe caia nas mãos não merece chegar ao governo.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990