Richard Baldwin. “A perda de empregos é uma certeza. A sua substituição não o é”

Richard Baldwin. “A perda de empregos é uma certeza. A sua substituição não o é”


A tecnologia e globalização serão muito disruptivas para os países desenvolvidos e boa oportunidade para os países em desenvolvimento.


Richard Baldwin, professor de economia em Genebra escreveu recentemente “The Great Convergence: Information technology and the New Globalisation”. Um livro sobre a forma como a globalização de ideias e serviços está a ser disruptiva. Em entrevista ao i – à margem dos Encontros da Fundação Francisco Manuel dos Santos – explica como as novas tecnologias da informação e comunicação estão a reduzir os custos de circulação de ideias e facilitaram a transferência de tecnologia, que permite a quase todos os países serem competitivos a nível tecnológico.

 

Esta grande convergência da qual fala é irreversível?

Não há nada que seja completamente irreversível. Mas não vejo nada – à parte qualquer acontecimento extremo, como uma peste negra ou uma guerra nuclear – que faça com que haja um retrocesso. Porque, na essência, a tecnologia expandiu-se e países como a China, a Índia, a Coreia do Sul, os principais fabricantes, estão a fazer os seus próprios produtos e avançando e não vejo que isso possa ser revertido. Mesmo que fosse uma coisa muito disruptiva, completamente antiglobalização, ainda assim não seria irreversível. Mas teria, no entanto, consequências imprevistas.

Mesmo que haja obstáculos políticos? Como seria como um movimento nacionalista e o encerramento de fronteiras, por exemplo nos EUA?

Donald Trump poderia fechar as fronteiras, mas essa decisão teria muitas consequências imprevistas. A verdade é que as empresas norte-americanas não fabricam nada, organizam a produção de coisas e constroem algumas partes. Se Trump, de facto, impusesse estas tarifas à China, os EUA tornar-se-iam uma ilha de produção com custos muito elevados. E se as tarifas fossem muito altas, talvez a produção voltasse aos EUA com destino ao mercado norte-americano. Mas para o mercado externo teriam de levar a produção para o México ou para o Canadá apenas para se manterem competitivos com a Europa e com a Ásia. As exportações e as importações estão relacionadas, a nível funcional, como nunca estiveram antes, por isso as soluções antigas e simplórias, como por exemplo impor tarifas, simplesmente já não funcionam.

Quais os grandes desafios que a Humanidade enfrenta com a atual inovação tecnológica? Porque com a grande convergência falamos da Humanidade como um todo…

A curto prazo, a tecnologia e a globalização de que falo vai ser muito disruptiva para os países desenvolvidos e uma boa oportunidade para os países em desenvolvimento, em especial para as pessoas dos países de rendimento médio que têm talentos e competências que são reconhecidas a nível internacional. Mas se formos mais longe e com maior dimensão, estas alterações significam que vamos passar menos tempo dos nossos dias a falar com pessoas que estão ao pé de nós e mais tempo a falar com computadores e pessoas que estão mais longe. E acho que isso vai mudar a estrutura da sociedade. As comunidades são baseadas em trocas frequentes entre as pessoas. E já o vemos. Por exemplo, as crianças já passam mais tempo nos ecrãs do que a falar uns com os outros. E isso já está a mudar a natureza. Daí que a longo prazo seja importante evitar a desumanização de falar demasiado com os computadores.

E os computadores a falarem uns com os outros?

Isso é interessante e em certo sentido já está a acontecer. Não tenho a certeza que haverá um cenário no qual o computador assume o comando. O que acontece é que existem bases de dados nas quais os assuntos e os resultados são claros e depois prevêem um modelo estatístico muito grande para que isso possa funcionar. Com tradução de linguagem, tradução de carateres óticos, reconhecimento de fotografia, mas os computadores não podem tomar uma decisão mais generalizada, não têm discernimento. Por isso não me preocupo com os computadores assumirem o comando.

Mas preocupa-o que os robôs e a inteligência artificial fiquem aos comandos dos processos de fabrico e assumam os empregos?

A nível do fabrico é um processo que já está implementado e a decorrer, por isso não há aqui grande novidade. E também não acho que esteja a acontecer de forma explosiva. Acho que a mudança explosiva está nos empregos no setor dos serviços, porque há muitas pessoas que são essencialmente trabalhadores de linhas de montagem para produção. Ou seja, reúnem um determinado conhecimento, inserem-no numa base de dados, acrescentam-no e depois partilham a informação. É como uma linha de montagem numa fábrica mas com conhecimento. E os computadores conseguem fazer parte desse trabalho e estão a ficar melhores. Penso que todas essas pessoas serão substituídas e que o ritmo duplica a cada dois anos. É um crescimento explosivo. Nas fábricas, aquilo que começou há 20 anos vai continuar nos próximos 20 e tudo acabará por ser automático.

E que empregos terão as pessoas?

Deixe-me responder de forma indireta. Que empregos vão existir é difícil de imaginar. Esse será um trabalho dos homens de negócios e dos empreendedores. Mas tenho uma crença na criatividade humana e as pessoas acabarão por encontrar esses empregos. O que me preocupa é que a perda de trabalho aconteça mais depressa que a substituição e se isso acontecer teremos nos próximos três a cinco anos uma sublevação contra a tecnologia. Esta nova tecnologia, digital, é no essencial processamento, armazenamento e transmissão de informação e está a duplicar a este ritmo explosivo. Muita desta tecnologia está a ser usada para substituir trabalhadores e esse modelo de negócio, chamado Robotic Process Automation (RPA), é de substituição de trabalhadores. Por isso a perda de empregos é uma certeza. A substituição de empregos não o é. Mas há umas poucas coisas que vêm com isso. A primeira é o maremoto digital. As mesmas leis estão a criar quantidades de informação e essa informação requer tanto robôs como pessoas. Algumas das aplicações mais avançadas do RPA têm a ver com o facto de, por exemplo, na banca, a maioria das pessoas estar online. E esse serviço não seria possível só com pessoas. A segunda coisa é que está a tornar o “repatriamento” dos empregos dos setores dos serviços viável. Em vez de serem deslocalizados para a Índia, fazem-se a nível local, parte com pessoas, parte com Inteligência Artificial (IA). É por causa de a IA os tornar tão bons que são competitivos em relação à Índia. O terceiro aspeto é o que eu gosto de chamar criação da própria procura. Muitas dessas aplicações de IA, como as sugestões da Amazon ou da Netflix, são grátis. Mas acabarão por criar uma procura que teremos de vir a pagar e apesar de serem feitas por computador, há alguns empregos associados a estas. Estes três aspetos destroem empregos, mas também os criam. 

Mas esta tecnologia acabará por alterar toda a cadeia de valor. Essa é uma consequência imprevista ou um desafio com o qual terá de se lidar?

Deixe-me primeiro distinguir entre crescimento normal e crescimento exponencial. Aquilo de que fala com o fabrico em densidade e a robotização é crescimento normal e vai acontecer. Há pouco tempo falava com o CEO da SKF e ele dizia-me que essencialmente, eles estão a automatizar o fabrico. E quando se automatiza o fabrico, reduzem-se as vantagens salariais e passa-se a produzir localmente. E isso é uma coisa natural, quase inevitável, porque custa tanto operar computadores e robôs na China como aqui em Portugal. Vai diminuir o comércio e as coisas serão feitas localmente. Mas há um outro elemento. À medida que o fabrico se torna mais automatizado requer maior competência e precisa de mais capital. Daí que, naturalmente, se posicione nos mercados desenvolvidos e não nos mercados emergentes. A longo prazo levará a que muita da produção regresse aos países desenvolvidos e a uma disrupção destas cadeias de valor.

A nível de serviços, as fintech, como por exemplo, a blockchain, serão disruptivas?

A blockchain é essencialmente uma muito boa tecnologia para redigir contratos. É muito eficiente e já está a ser disruptiva nas transferências financeiras, uma vez que ajuda a clarificar e a tornar mais transparentes as transferências. E há aqui uma certa ironia. As pessoas descobriram a blockchain através da bitcoin, que foi criada para esconder transações financeiras. Mas o que é mesmo bom na blockchain é que é totalmente aberta. Elimina evasões ficais e por isso é muito fácil todas as pessoas confiarem, porque é aberta e toda a gente sabe. Em princípio vai tornar as transações mais transparentes e não menos. E não penso que a bitcoin vá acabar bem. É muito sombria, ninguém sabe bem o que se passa. Colocando a bitcoin de parte… Acho que os bancos centrais poderão criar criptomoedas, com regras claras, conhecimento do responsável último. Isso deverá acontecer. Quase de certeza que nos vamos tornar uma sociedade sem dinheiro físico. 

Quais são os grandes desafios económicos nos países desenvolvidos?

Um dos que está a apertar mais é a curva de Philips estar a ficar mais recta. Ou seja, a quantidade de emprego e de desemprego não parece estar associada à subida dos salários como costumava estar. Uma das anteriores constantes era que cada vez que o desemprego baixava a inflação salarial subia e logo a inflação subia. E isso já não funciona e não sabemos bem porquê. Na minha opinião poderá ter a ver com este desenvolvimento tecnológico e globalização do setor dos serviços, do trabalho remoto, que tem enfraquecido as posições dos trabalhadores. Em alguns países as pessoas estão demasiado dependentes dos seus empregos, o que as impede de pedirem aumentos e ao mesmo tempo as torna relutantes em tentarem encontrar outro emprego, apesar de terem a sensação que o conseguiriam fazer. A seguir vem a produtividade. Que diminui em todo o mundo, e não sabemos porquê. E isso torna coisas como a segurança social insustentáveis. E isso está tudo relacionado com a demografia, em especial nos países ricos.

E para os países em desenvolvimento?

Este mundo tem sido muito bom para estes países. Em especial para os chamados mercados emergentes, que se estão a industrializar rapidamente ou a exportar commodities. A cadeia de valor global está a aumentar e é um muito bom momento para eles. O meu livro revela como a percentagem na economia mundial das economias desenvolvidas está a diminuir e a das economias em desenvolvimento estão a aumentar. Por isso, nos últimos tempos, tem sido uma boa história para os países em desenvolvimento e má para os países desenvolvidos. A curto prazo têm um problema com o fraco crescimento no Ocidente.