O ator prepara-se para subir ao palco. Fecha os olhos, respira fundo, ouve o que sente, faz a sua oração. Está nervoso. Lembra-se daquilo que sentiu ao atuar na Broadway. É idêntico, ou talvez não, talvez seja superior. A responsabilidade é maior. Muito maior. O ator espreita pela cortina. Tem a casa cheia. Cinquenta pessoas e não cabe bem mais uma. Vieram todas. Todas as pessoas daquela aldeia estão ali. Na Broadway foram talvez milhares os felizardos que viram as suas peças. Foi estrondoso atuar na Broadway, foi talvez o maior sonho, mas não foi o fundamental nem o mais importante. Foi obrigatório subir ao palco brilhante, foi obrigatório perceber que era capaz de atuar em todo o lado, para qualquer pessoa, em qualquer língua. Mas agora estava ali e estava nervoso. Nervoso por representar para aquelas 50 pessoas que tinham feito o esforço maior de pagar aquele bilhete, privando-se de comprar a carne de porco, ansiosos por verem uma coisa que lhes parecia de mentira porque tantos dos que ali estavam nunca tinham ido ao teatro nem sentido outras peles, outras vidas, outras histórias.
O ator tem a consciência de que todas aquelas vidas sairão diferentes dali, mesmo que essa sensação só dure uma noite. Talvez fiquem unidos para sempre porque alguma coisa poderá acontecer ali. Porque, por umas horas, tudo o resto se dissipará, porque, por umas horas, o mundo terá outra cor.
O homem leva as suas ovelhas pelo campo. Canta uma música baixinho, repete o refrão vezes sem conta, enquanto faz o seu trabalho que não lhe sabe a esforço. Não imagina uma vida melhor. E não é porque não conheça outra, é porque mais nenhuma lhe cabe. Escolheu cada colina, deu nome a cada ovelha, decidiu que a sua vida seria aquela. Os sábios urbanos dizem que ele não teve outra opção, mas o pastor não acredita nisso; se não tivesse tido escolha, se fosse obrigatório ser o que a vida impôs, a felicidade não entraria. “Até isso eu sei”, murmura o pastor.
A miúda espera pela próxima palestra. Já passa da hora e ainda não está ninguém. No dia anterior esteve na televisão, deu uma palestra onde não conseguia contar quantos eram. Hoje, talvez não venha ninguém. A miúda contínua bem-disposta. Tudo aquilo não lhe sabe a fracasso, mesmo que aparentemente o seja. Lembra-se de Osho, no livro “Intuição”: “ (…) Que o mundo diga que o leitor foi um fracasso ou que o mundo faça de si uma estrela, um sucesso, isso não fará qualquer diferença. Seja qual for o caso, o leitor será feliz (…) Se o leitor conseguir compreender que alegria é sinónimo de sucesso, então dir-lhe–ei que será sempre bem-sucedido.”
A miúda percebe que não lhe interessa quantas caras verá, desde que tudo aquilo que aconteça seja verdadeiro. Então ela espera mais um tempo, até que cria o seu núcleo de partilha de cinco pessoas. Abre-se para elas. Confidencia-lhes sentimentos. Não tem medo. Fá-lo com alegria e fá-lo quase afónica, com toda a entrega e toda a importância que cada história tem. E naquela partilha, tão pessoal, a miúda ouviu ali quem lhe dissesse que talvez se sentisse mais forte agora, depois de ouvir outros, talvez se sinta mais capaz de enfrentar a sua própria sombra.
O pormenor tem sempre mais para contar. É sempre particular, uno, delicado, precioso. O pormenor, o aparentemente pequeno é sempre aquele que subestimamos, com a arrogância própria de quem não consegue ler nas entrelinhas. A aparente pequenez é tão maior quando a vês.
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