O Estado Islâmico está sem capital e califado

O Estado Islâmico está sem capital e califado


Os extremistas que prometem lutar até ao último sopro e adorar a morte mais do que a vida rendem-se agora às centenas. Resta-lhes pouco para onde fugir. 


Em Raqqa já não há bandeiras negras e isso diz muito sobre a batalha contra o Estado Islâmico.

Se há pouco mais de três anos os extremistas escolheram Mossul para lá anunciarem o seu califado foi porque haviam já estabelecido muito antes em Raqqa o aparato burocrático com que tentaram mascarar-se de país.

Raqqa foi a sua primeira grande conquista, o lugar dos seus maiores cortejos, onde se tiraram mais fotografias, se gravaram mais vídeos propagandísticos e a partir de onde se começou a montar o palco do qual o Estado Islâmico reivindicou a atenção do mundo e roubou à Al-Qaeda o manto do grupo terrorista mais poderoso e ambicioso no mundo.

Esta terça-feira, o Estado Islâmico perdeu a sua suposta capital ao fim de anos de ataques aéreos e seis meses de combates contra uma coligação de rebeldes curdos, sunitas e xiitas financiados e armados pelos Estados Unidos. 

A derrota é reveladora e não apenas por representar o mais recente centro urbano de que os extremistas abrem mão na Síria e Iraque. É reveladora porque pela terceira vez em poucas semanas, os militantes do grupo jihadista preferiram render-se a combater até ao último sopro.

Nos últimos dias, uns 270 combatentes sírios em Raqqa chegaram a acordo com a aliança das SDF – as Forças de Defesa Síria, na sigla em inglês, que esta terça conquistaram o centro da cidade – e organizaram um retirada em autocarros. Saíram no fim de semana, presume-se que para Deir Ezzor, deixando para trás ficaram os combatentes estrangeiros.

Os mártires que há muito prometem combater até á morte preferem agora fugir. E já não têm muito para onde o fazer. Sem Raqqa, o grupo dispõe hoje apenas de bairros nos arredores de Deir Ezzor. Fora dos centros urbanos, controla apenas algumas vilas ao longo do Eufrates.  

Território miúdo

Ao início da tarde desta terça-feira, os últimos combatentes estrangeiros do Estado Islâmico em Raqqa morreram nos dois edifícios onde se haviam barricado: o estádio e o Hospital Nacional, ambos no centro da cidade.

Os rebeldes, sobretudo curdos das milícias sírias do YPG e YPJ – este último, um batalhão feminino –, ainda não declararam vitória total e avisam que ainda pode haver células jihadistas escondidas, já para não falar dos explosivos e armadilhas que o grupo instalou.

Mas as ruas de Raqqa estalaram na mesma numa festa contida, apesar de quase todos os edifícios serem hoje pouco mais que ruínas. Muitos residentes saíram pela primeira vez de casa em meses, onde se abrigavam dos bombardeamentos que esta terça-feira, como já não acontecia há muito, cessaram.

“Se Deus quiser, a alegria regressará à minha cidade”, lançava esta terça-feira à AFP Sevger Himo. Os seus olhos, diz a agência, estavam marejados.

Sem ânimo

O Estado Islâmico vê esvair-se em simultâneo o ânimo e o califado. A célebre declaração “nós adoramos a morte como vocês adoram a vida” – que Rafaello Pantucci usou para documentar a vida dos jovens jihadistas britânicos – parece ter desaparecido com a queda de Mossul.

Assim que terminaram esses nove meses de batalha urbana, ao longo da qual os extremistas se suicidavam em catadupa, quase nunca se rendendo, à volta de 500 militantes do Estado Islâmico largaram armas na cidade ao lado, Tal-Afar, que caiu para as mãos do governo iraquiano ao fim de apenas 11 dias.

E a cidade ao lado, Hawija, por sua vez, foi capturada em duas semanas e três de combates duros, segundo contou o comando ao “New York Times”. Em Hawija renderam-se mais de mil supostos “soldados do califado”. Hoje, esse califado não tem capital. E em breve pode já não existir.