Pela manhã, o terreno estava empapado, as árvores pingavam e o fumo que não deixava ver nada no dia anterior tinha-se dissipado. A chuvada forte que caiu durante a noite descansou populares e bombeiros, mas deixou perceber a dimensão daquilo que tinha acabado de acontecer. Na região de Leiria, o pinhal ardeu quase todo.
“A chuva veio foi com dois dias de atraso”, suspira o comandante dos bombeiros voluntários de Porto de Mós, Elísio Pereira, ao olhar para a estrada molhada à frente do quartel. Nesta zona, não arderam povoações nem houve pessoas em perigo: “Aqui correu tudo bem, felizmente. Arderam só terrenos baldios”.
Já em Porto de Mós se ouve falar do Pinhal de Leiria. A verdadeira tragédia está lá, entre a Marinha Grande e a Praia da Vieira. Nas notícias, diz-se que o pinhal mandado plantar por D. Dinis ficou destruído em 80%, mas no terreno verifica-se que a percentagem é superior. “O pior mesmo é o pinhal de Leiria. Na minha opinião, ardeu mais de 90%, quase todo”, diz o comandante, que chama a atenção para outro problema: “Os efeitos do desaparecimento do pinhal só se vão sentir daqui a uns anos. O pinhal funcionava como parede para os ventos e as areias vindas da costa. A meteorologia vai mudar, a agricultura vai mudar, muita coisa vai mudar”. “O pinhal vai ter de ser todo cortado. Vai ser um trabalho burocrático grande. Toda e cada árvore terá de ser categorizada individualmente. Digo isto não como comandante dos bombeiros, mas como cidadão experiente”, acrescenta.
No quartel de bombeiros da Marinha Grande, a preocupação era a mesma. O local onde outrora se estacionavam as viaturas, agora está repleto de mesas com pão, fruta e água. Muita água. A receber mais um carregamento de mantimentos, os bombeiros falam entre si sobre o pinhal. “O pinhal? O Pinhal de Leiria já não existe”, diz um dos homens. Aqui diz-se que só sobreviveram dois ou três hectares.
Depois da Marinha Grande, a caminho da Praia da Vieira, a paisagem é desoladora. De um lado e de outro o terreno está negro, os pinheiros estão queimados até cima e há zonas em que, apesar da chuva da noite anterior, o fumo ainda sai do chão. Não há sinal de pinheiros verdes, tudo é negro.
O parque de campismo da Praia da Vieira foi um dos locais que gerou mais preocupação durante os últimos dias. O fogo chegou a entrar no parque e destruiu totalmente cinco estruturas e só a ajuda dos bombeiros evitou que o parque não desaparecesse na totalidade. “Isto foi muito, muito difícil. Há forças maiores que nós não conseguimos ultrapassar. A densidade do fumo, a temperatura… Era tudo horrível”, confessam as pessoas no parque. Até uma mesa de ferro fundido ficou destruída, conta um morador.
Duas vizinhas abraçam-se de lágrimas nos olhos. “É muito triste, não é?”, comenta Mafalda ao olhar para as pequenas habitações de férias destruídas pelo fogo que entrou no parque no domingo. “Só consegui vir cá hoje, os meus filhos proibiram-me”, refere Mafalda, que tem rulote no parque há oito anos. A vizinha, Maria, conta que no domingo todo o parque foi evacuado e quando quis voltar, porque as notícias davam conta de que o parque tinha sido todo queimado, as autoridades já não deixavam. Mais tarde, teve de ser a própria a trazer de volta muitos das pessoas que tinham sido retiradas. “As pessoas estavam todas de pernas quebradas, foi um grande susto”. A casa de Maria está a poucos metros de uma outra habitação de praia que ficou totalmente destruída. “Graças aos bombeiros”, justifica. “Só aqui o telhado de pano é que ficou com alguns buracos, mas perante os meus vizinhos isto não é nada. Ai, fiquei tão triste pelos meus vizinhos”, desabafa.
Dentro da localidade de Praia da Vieira, pertencente a Vieira de Leiria, o cenário é idêntico. Os pequenos currais ou armazéns que estavam junto ao pinhal ficaram completamente destruídos pelas chamas. Não há vivalma, numa das herdades há cavalos e ovelhas que vão pastando uma erva que, apesar de tudo, continuou verde.
O primeiro sinal do renascer das cinzas surge uns quilómetros mais à frente. Na estrada que liga a Praia da Vieira e Osso da Baleia há já funcionários da Câmara Municipal de Pombal que se dedicam a substituir os sinais de trânsito consumidos pelo fogo. “Já estamos a substituir, claro. Tem de ser o mais rápido possível, há que recuperar isto”, diz um dos funcionários enquanto desaparafusa um sinal redondo tão destruído que é impossível saber o que indica por um outro azul brilhante, que sinaliza a aproximação de uma rotunda. “Primeiro estamos a substituir os mais importantes porque agora estamos à espera que venha cá muita gente, curiosos, para ver o pinhal todo queimado”.