Iraque. De novo em pé de guerra

Iraque. De novo em pé de guerra


As forças iraquianas tomaram Kirkuk aos curdos sem dificuldade. Agora que o Estado Islâmico sai de cena, as feridas antigas voltam à tona.


Ainda não terminou uma guerra e logo aparece aos iraquianos o fantasma de outra. O governo central tomou esta segunda-feira o controlo de Kirkuk pela força, agravando a disputa com os independentistas curdos e avançando um passo na direção de um conflito aberto com a quarta etnia do Médio Oriente.

Em poucas horas, numa jogada que começou de madrugada e foi em partes iguais arriscada, ambiciosa e bem-sucedida, as forças de elite iraquianas tomaram postos nos arredores da cidade, conquistando as instalações de gás e petróleo, postos de controlo e o aeroporto militar.

Avançaram depois para o centro da cidade, que tomaram quase sem oposição ao final da tarde, esmagando imagens dos líderes curdos que há três anos dominam a cidade. Morreram esta segunda dez peshmergas curdos, de acordo com a AFP. Dezenas de milhares de habitantes, no entanto, fugiam ainda ao início da noite para o norte.

A operação iraquiana foi uma surpresa, mas foi também o culminar de semanas de tensão que arrancaram com o referendo à independência do Curdistão iraquiano, realizado a 25 de setembro contra as ordens dos tribunais de Bagdade, as ameaças do seu governo e as críticas dos parceiros.

O voto, o primeiro para os curdos, foi mais do que nítido: 92,7% da população votou pela independência num referendo em que quase 73% dos eleitores foram às urnas.

Independência acossada

O governo regional de Masoud Barzani declarou que a fratura com o Iraque não ocorreria da noite para o dia e que o voto inaugurava um período de negociações. Bagdade recusou e ordenou o regresso de Kirkuk às suas mãos.

A cidade, de maioria curda mas com grandes populações turcomenas e árabes, votou também no referendo, aprovou a independência, mas está fora das linhas do governo autónomo criadas na Constituição de 2005.

Não é certo que a operação desta segunda-feira seja o início de uma ação militar mais vasta contra os territórios autónomos. Até agora, Bagdade exigiu apenas o controlo da cidade petrolífera, uma das mais prósperas no país, ocupada em 2014 no combate ao Estado Islâmico – quando as forças iraquianas bateram em retirada – e de onde o governo de Barzani vem retirando quase metade das suas receitas.

De acordo com o comando americano, os combates desta segunda deram-se apenas de madrugada e por erro.

Guerra fratricida

Por enquanto, a guerra parece mais provável entre os próprios curdos. O avanço fácil das tropas iraquianas parece ter-se dado porque os combatentes leais à oposição, do PUK, negociaram nos últimos dias com Bagdade, deixando vulneráveis os peshmergas do partido no poder, o KDP.

“Lamentamos que os responsáveis do PUK tenham participado neste golpe”, afirmava esta segunda-feira o controlo curdo de Erbil, a capital do governo autónomo para onde ontem fugiam os curdos de Kirkuk – os turcomenos e árabes, por sua vez, celebravam nas ruas.

“Decidimos sair porque temos medo dos confrontos”, contava Chunem Qader à AFP. “Vivemos em paz, mas os políticos de Bagdade e Erbil enfrentam-se em nome do petróleo e quem sofre somos nós.”