Ensaio sobre a loucura


A mulher está com umas olheiras enormes, com o cabelo mal apanhado, com um tom de voz aflito. A loucura passou e o mundo está a comportar-se novamente com normalidade. Sorri e chora, sem dar por isso, repleto de gratidão


Imagina um homem parado no trânsito, no sinal verde. Os condutores, furiosos, apitam desesperadamente para que avance. Mas o homem não avança. Ao invés disso, bate com a cabeça no volante, enquanto dá vários murros em todo o lado, no banco, nas janelas, em si mesmo! Transformado em raiva, coberto de ranho e lágrimas, chora enquanto grita, enquanto esperneia como se fosse um animal enjaulado. Depois, já exausto, partido, para finalmente. Assim de repente, para. Tenta recuperar o fôlego, tenta respirar mais devagar. Depois de acalmar, um novo devaneio, mas agora são risos! Gargalhadas e gargalhadas, cada vez mais altas, ri e lança a cabeça para trás, depois para a frente, pousada no volante e envolvido com os seus próprios braços, ri até lhe faltar novamente o ar, ri e já não aguenta mais de tanto rir. Respira fundo, ainda saem alguns risos, mais calmos, menos barulhentos e tenta recompor-se. Olha lá para fora. Tem centenas de pessoas com os olhos postos nele. Estão estupefactas.

“O homem está louco!!!”

Depois de preso e do seu carro levado para que não estorve a via pública, o polícia espera que o homem diga alguma coisa. Pergunta-lhe o nome, a idade, a profissão, quer saber se ele sabe quem é e porque se comportou daquela forma. Mas o homem não responde a nada. O polícia, já impaciente, berra-lhe que se ponha a andar porque, para além de lhe ter roubado a manhã, não magoou ninguém. Manda-o embora, afinal, “malucos há muitos!”.

O homem está na rua. O carro foi-lhe devolvido, mas prefere andar a pé. Não está longe de casa e também não tem a certeza se consegue conduzir. Segue, confuso, pela avenida. Chega a casa e a mulher está sentada no sofá. Sorri levemente para o homem e pergunta-lhe como foi o dia. A mulher não está a fazer absolutamente nada – não está a limpar nem a aspirar, não está a cuidar de ninguém.

A mulher tem vestida a sua roupa preferida e tem uma chávena de chá na mão. Fecha os olhos enquanto ouve a música que colocou. A mulher está feliz e sentada no sofá numa tarde de sábado.

O marido olha para a cena e não responde à pergunta da mulher. Está em choque, sai de casa a tropeçar nas coisas, assustado, desordenado, aflito:

“Está louca! Está louca! A minha mulher está louca!”

O homem está na rua, desvairado. Sente-se a endoidecer outra vez. Olha à sua volta. Repara que, a poucos metros de si, está um grupo de adolescentes. O homem olha com atenção. Os adolescentes conversam entre si, soltando risadas, e as mãos estão livres … “Os smartphones? Onde estão os telemóveis? Onde estão aquelas porcarias todas que os miúdos não largam? Não, não, não, o que é que se passa aqui? Estão doidos! Os jovens estão doidos!” 

O homem continua às voltas, com as mãos na cabeça, sem acreditar em tudo o que lhe está a acontecer. Foge dali. Só lhe ocorre ir à esquadra, de onde saiu há pouco tempo, talvez o polícia o possa ajudar! Mas é então que vê o polícia curvado, a calçar um sem-abrigo, e este agradece o gesto, emocionado. O homem não acredita naquilo que está a ver. Esfrega os olhos e vê o sem-abrigo abraçado ao polícia. Não pode ser, não faz sentido. Desesperado, corre sem sentido, por entre as pessoas e depois por entre os carros, que se desviam dele, apitando, avisando para que saia do meio da estrada! 

Acorda no hospital. Tem uma dor de cabeça horrível. Abre a boca para falar e não sai qualquer som. Percebe que o quarto está cheio de médicos e de enfermeiros e vê, ao fundo, um grupo de jovens estagiários a tirarem notas. Devem ser alunos de Medicina. Três deles não ouvem o que diz o médico e mexem no telemóvel. 

A respiração do homem começa a acalmar. Percebe que está todo engessado, com a cabeça ligada, e não consegue falar. Imagina que deve ter o corpo todo partido. Só os olhos é que se movimentam facilmente. De repente, ouve a voz da mulher:

“Tu… sinceramente, ó homem, o que é que foste fazer?!”

O homem olha para ela. A mulher está com umas olheiras enormes, com o cabelo mal apanhado, com um tom de voz aflito. 

O homem sorri. Percebe que está tudo bem e que tudo voltou ao normal. A loucura passou e o mundo está a comportar-se novamente com normalidade. Sorri e chora, sem dar por isso, repleto de gratidão. “Obrigada por estares aqui”, sai-lhe finalmente da boca.

“Doutor, doutor! Por favor, venha ver o meu marido! Depressa!!! Ele está a sorrir e a chorar e acabou de me agradecer…a loucura voltou!!!!!”

 

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Escreve à quinta-feira


Ensaio sobre a loucura


A mulher está com umas olheiras enormes, com o cabelo mal apanhado, com um tom de voz aflito. A loucura passou e o mundo está a comportar-se novamente com normalidade. Sorri e chora, sem dar por isso, repleto de gratidão


Imagina um homem parado no trânsito, no sinal verde. Os condutores, furiosos, apitam desesperadamente para que avance. Mas o homem não avança. Ao invés disso, bate com a cabeça no volante, enquanto dá vários murros em todo o lado, no banco, nas janelas, em si mesmo! Transformado em raiva, coberto de ranho e lágrimas, chora enquanto grita, enquanto esperneia como se fosse um animal enjaulado. Depois, já exausto, partido, para finalmente. Assim de repente, para. Tenta recuperar o fôlego, tenta respirar mais devagar. Depois de acalmar, um novo devaneio, mas agora são risos! Gargalhadas e gargalhadas, cada vez mais altas, ri e lança a cabeça para trás, depois para a frente, pousada no volante e envolvido com os seus próprios braços, ri até lhe faltar novamente o ar, ri e já não aguenta mais de tanto rir. Respira fundo, ainda saem alguns risos, mais calmos, menos barulhentos e tenta recompor-se. Olha lá para fora. Tem centenas de pessoas com os olhos postos nele. Estão estupefactas.

“O homem está louco!!!”

Depois de preso e do seu carro levado para que não estorve a via pública, o polícia espera que o homem diga alguma coisa. Pergunta-lhe o nome, a idade, a profissão, quer saber se ele sabe quem é e porque se comportou daquela forma. Mas o homem não responde a nada. O polícia, já impaciente, berra-lhe que se ponha a andar porque, para além de lhe ter roubado a manhã, não magoou ninguém. Manda-o embora, afinal, “malucos há muitos!”.

O homem está na rua. O carro foi-lhe devolvido, mas prefere andar a pé. Não está longe de casa e também não tem a certeza se consegue conduzir. Segue, confuso, pela avenida. Chega a casa e a mulher está sentada no sofá. Sorri levemente para o homem e pergunta-lhe como foi o dia. A mulher não está a fazer absolutamente nada – não está a limpar nem a aspirar, não está a cuidar de ninguém.

A mulher tem vestida a sua roupa preferida e tem uma chávena de chá na mão. Fecha os olhos enquanto ouve a música que colocou. A mulher está feliz e sentada no sofá numa tarde de sábado.

O marido olha para a cena e não responde à pergunta da mulher. Está em choque, sai de casa a tropeçar nas coisas, assustado, desordenado, aflito:

“Está louca! Está louca! A minha mulher está louca!”

O homem está na rua, desvairado. Sente-se a endoidecer outra vez. Olha à sua volta. Repara que, a poucos metros de si, está um grupo de adolescentes. O homem olha com atenção. Os adolescentes conversam entre si, soltando risadas, e as mãos estão livres … “Os smartphones? Onde estão os telemóveis? Onde estão aquelas porcarias todas que os miúdos não largam? Não, não, não, o que é que se passa aqui? Estão doidos! Os jovens estão doidos!” 

O homem continua às voltas, com as mãos na cabeça, sem acreditar em tudo o que lhe está a acontecer. Foge dali. Só lhe ocorre ir à esquadra, de onde saiu há pouco tempo, talvez o polícia o possa ajudar! Mas é então que vê o polícia curvado, a calçar um sem-abrigo, e este agradece o gesto, emocionado. O homem não acredita naquilo que está a ver. Esfrega os olhos e vê o sem-abrigo abraçado ao polícia. Não pode ser, não faz sentido. Desesperado, corre sem sentido, por entre as pessoas e depois por entre os carros, que se desviam dele, apitando, avisando para que saia do meio da estrada! 

Acorda no hospital. Tem uma dor de cabeça horrível. Abre a boca para falar e não sai qualquer som. Percebe que o quarto está cheio de médicos e de enfermeiros e vê, ao fundo, um grupo de jovens estagiários a tirarem notas. Devem ser alunos de Medicina. Três deles não ouvem o que diz o médico e mexem no telemóvel. 

A respiração do homem começa a acalmar. Percebe que está todo engessado, com a cabeça ligada, e não consegue falar. Imagina que deve ter o corpo todo partido. Só os olhos é que se movimentam facilmente. De repente, ouve a voz da mulher:

“Tu… sinceramente, ó homem, o que é que foste fazer?!”

O homem olha para ela. A mulher está com umas olheiras enormes, com o cabelo mal apanhado, com um tom de voz aflito. 

O homem sorri. Percebe que está tudo bem e que tudo voltou ao normal. A loucura passou e o mundo está a comportar-se novamente com normalidade. Sorri e chora, sem dar por isso, repleto de gratidão. “Obrigada por estares aqui”, sai-lhe finalmente da boca.

“Doutor, doutor! Por favor, venha ver o meu marido! Depressa!!! Ele está a sorrir e a chorar e acabou de me agradecer…a loucura voltou!!!!!”

 

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Escreve à quinta-feira