Acabou a silly season


A Catalunha ainda devia ser um Estado de direito e, naturalmente, não lhe é legítimo escolher, do edifício legislativo na sua totalidade, que leis são para cumprir e quais não são


Esta última semana, até ontem, foi de certa forma dominada internacionalmente pelo tema da Catalunha.

Já por cá contam-se as vítimas das eleições autárquicas, dos dois partidos que perderam, um pela primeira vez, eleições, e tivemos a crónica da morte muito anunciada de Passos Coelho, vítima de um programa de resgate que não negociou, de um país que não quer ser diferente e de escolhas autárquicas de gosto, pelo menos, duvidoso. 

Já o outro perdedor – e não falo de Medina, que perdeu a maioria na CML -, tantas são as greves prometidas e as recusas de “geringonçar” autarquias que podemos antever um interessante processo de reequilíbrio da posição do PCP a tentar sair dos resultados das autárquicas e, desejavelmente para Jerónimo, também do bolso de António Costa, onde ele e os seus sindicatos andam perdidos à procura da saída há cerca de dois anos.

Como sempre que o PCP luta por reequilibrar o seu espaço político, utentes de transportes públicos, da justiça, dos hospitais e das escolas podem contar com o fim da acalmia aparente que a geringonça trouxe, para mais em vésperas de Orçamento…

Por último, há que dar o devido destaque, igual ao de todas as capas dos jornais de hoje, ao fim da sebastianização de um determinado processo muito mediático que certamente merecerá alguma análise mais adiante, mas que afinal, e contra o que se pressagiava, já tem a acusação, que não é curta, cá fora.

Não menos importante, e prometido para hoje, temos também o famoso relatório dos peritos independentes sobe os incêndios do verão. 

Podemos, pois, afirmar que já terá acabado a silly season. 

Feito este breve e necessariamente incompleto resumo, perante discutir o tema da gestação de substituição para casais de homens que Isabel Moreira propõe e de cuja importância o mundo vive suspenso, vou deixar antes duas notas sobre que me correram sobre o processo em curso na Catalunha.

O tema da independência da Catalunha, na sua substância, é suficientemente complexo para não arriscar aqui entrar no mesmo além da superfície e apenas para dar nota de algumas incongruências do processo. 

São absolutamente extraordinárias, como veremos, coisas que lá se passam e quero apontar aqui – mais do que discussão sobre se existe um efectivo direito à autodeterminação dos catalães, em função da comunhão de uma determinada geografia e língua comum -, antes, algumas das originalidades que o processo vem demonstrando.

Ora, justo ou injusto, parece relativamente sedimentado que, no quadro legal e constitucional vigente em Espanha, onde a Constituição democrática foi sufragada (ao que parece com votações históricas dos próprios catalães), o referendo é (ou foi) um acto ilegal, o que, aliás, foi até julgado como tal pelo próprio Tribunal Constitucional espanhol.

Não obstante, e como é facto notório, o referendo, ou parte dele, realizou-se na mesma em conhecida, manifesta, assumida e promovida ilegalidade constitucional por parte do governo da Catalunha, encabeçado por Puigdemont e apoiado pelos radicais de serviço à geringonça catalã.

É na actuação do governo que reside mais uma singularidade deste processo: é que, num cenário menos insano, em qualquer sítio do mundo onde uma eleição tivesse secções de voto encerradas à força, edifícios desocupados com brutalidade, um número de secções de voto que não sei precisar que não abriram ou onde fosse cortado o acesso online às listas do recenseamento eleitoral, e tudo o muito mais pitoresco associado a estas eleições, estaríamos hoje e ainda a discutir observadores internacionais, fraudes eleitorais, recontagem de votos, repetição do acto e, naturalmente, os resultados e sua legitimidade seriam contestados.

Em situação alguma um excesso de Madrid contra o referendo – dando de barato a avassaladora falta de tacto político de Rajoy, e mesmo para quem admite que não havia legitimidade legal para agir assim contra a votação – serviria de uma espécie de argumento a contrario sensu para legitimar os resultados obtidos pelos que, ainda assim, terão conseguido votar.

Ou seja, retirar efeitos que não meramente políticos do referido plebiscito deveria envergonhar qualquer democrata. Houve cerca de 2 milhões de votos pelo sim, mas cerca de 60% do eleitores da Catalunha não votaram sequer e parece relativamente claro que os mais politizados não terão falhado. 

Ora, a Catalunha ainda devia ser um Estado de direito e, naturalmente, não lhe é legítimo escolher, do edifício legislativo na sua totalidade, que leis são para cumprir e quais não são, e menos ainda, num quadro destes, entender que o dito referendo nestas condições pode ser tido como expressão democrática e minimamente representativa do que quer que seja e, desde logo, da independência, 48 horas depois. 

Note-se, aliás, que foi neste cenário de repúdio e afronta à lei fundamental de Espanha que aconteceu a afirmação absolutamente sui generis de Puigdemont que refere que a Constituição que ele desaplicou daria ao monarca um poder de moderador que este não usou, o que é em si mesmo uma verdadeira petição de princípio!

Pode ser por isso que, depois de ter legitimado uma declaração de independência num referendo repleto das ocorrências que se conhecem, e de a ter suspenso, o governo de Madrid veio dizer dele que “não sabe onde está, para onde vai nem com quem quer ir”, e parece ter toda a razão.

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt 

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990
 


Acabou a silly season


A Catalunha ainda devia ser um Estado de direito e, naturalmente, não lhe é legítimo escolher, do edifício legislativo na sua totalidade, que leis são para cumprir e quais não são


Esta última semana, até ontem, foi de certa forma dominada internacionalmente pelo tema da Catalunha.

Já por cá contam-se as vítimas das eleições autárquicas, dos dois partidos que perderam, um pela primeira vez, eleições, e tivemos a crónica da morte muito anunciada de Passos Coelho, vítima de um programa de resgate que não negociou, de um país que não quer ser diferente e de escolhas autárquicas de gosto, pelo menos, duvidoso. 

Já o outro perdedor – e não falo de Medina, que perdeu a maioria na CML -, tantas são as greves prometidas e as recusas de “geringonçar” autarquias que podemos antever um interessante processo de reequilíbrio da posição do PCP a tentar sair dos resultados das autárquicas e, desejavelmente para Jerónimo, também do bolso de António Costa, onde ele e os seus sindicatos andam perdidos à procura da saída há cerca de dois anos.

Como sempre que o PCP luta por reequilibrar o seu espaço político, utentes de transportes públicos, da justiça, dos hospitais e das escolas podem contar com o fim da acalmia aparente que a geringonça trouxe, para mais em vésperas de Orçamento…

Por último, há que dar o devido destaque, igual ao de todas as capas dos jornais de hoje, ao fim da sebastianização de um determinado processo muito mediático que certamente merecerá alguma análise mais adiante, mas que afinal, e contra o que se pressagiava, já tem a acusação, que não é curta, cá fora.

Não menos importante, e prometido para hoje, temos também o famoso relatório dos peritos independentes sobe os incêndios do verão. 

Podemos, pois, afirmar que já terá acabado a silly season. 

Feito este breve e necessariamente incompleto resumo, perante discutir o tema da gestação de substituição para casais de homens que Isabel Moreira propõe e de cuja importância o mundo vive suspenso, vou deixar antes duas notas sobre que me correram sobre o processo em curso na Catalunha.

O tema da independência da Catalunha, na sua substância, é suficientemente complexo para não arriscar aqui entrar no mesmo além da superfície e apenas para dar nota de algumas incongruências do processo. 

São absolutamente extraordinárias, como veremos, coisas que lá se passam e quero apontar aqui – mais do que discussão sobre se existe um efectivo direito à autodeterminação dos catalães, em função da comunhão de uma determinada geografia e língua comum -, antes, algumas das originalidades que o processo vem demonstrando.

Ora, justo ou injusto, parece relativamente sedimentado que, no quadro legal e constitucional vigente em Espanha, onde a Constituição democrática foi sufragada (ao que parece com votações históricas dos próprios catalães), o referendo é (ou foi) um acto ilegal, o que, aliás, foi até julgado como tal pelo próprio Tribunal Constitucional espanhol.

Não obstante, e como é facto notório, o referendo, ou parte dele, realizou-se na mesma em conhecida, manifesta, assumida e promovida ilegalidade constitucional por parte do governo da Catalunha, encabeçado por Puigdemont e apoiado pelos radicais de serviço à geringonça catalã.

É na actuação do governo que reside mais uma singularidade deste processo: é que, num cenário menos insano, em qualquer sítio do mundo onde uma eleição tivesse secções de voto encerradas à força, edifícios desocupados com brutalidade, um número de secções de voto que não sei precisar que não abriram ou onde fosse cortado o acesso online às listas do recenseamento eleitoral, e tudo o muito mais pitoresco associado a estas eleições, estaríamos hoje e ainda a discutir observadores internacionais, fraudes eleitorais, recontagem de votos, repetição do acto e, naturalmente, os resultados e sua legitimidade seriam contestados.

Em situação alguma um excesso de Madrid contra o referendo – dando de barato a avassaladora falta de tacto político de Rajoy, e mesmo para quem admite que não havia legitimidade legal para agir assim contra a votação – serviria de uma espécie de argumento a contrario sensu para legitimar os resultados obtidos pelos que, ainda assim, terão conseguido votar.

Ou seja, retirar efeitos que não meramente políticos do referido plebiscito deveria envergonhar qualquer democrata. Houve cerca de 2 milhões de votos pelo sim, mas cerca de 60% do eleitores da Catalunha não votaram sequer e parece relativamente claro que os mais politizados não terão falhado. 

Ora, a Catalunha ainda devia ser um Estado de direito e, naturalmente, não lhe é legítimo escolher, do edifício legislativo na sua totalidade, que leis são para cumprir e quais não são, e menos ainda, num quadro destes, entender que o dito referendo nestas condições pode ser tido como expressão democrática e minimamente representativa do que quer que seja e, desde logo, da independência, 48 horas depois. 

Note-se, aliás, que foi neste cenário de repúdio e afronta à lei fundamental de Espanha que aconteceu a afirmação absolutamente sui generis de Puigdemont que refere que a Constituição que ele desaplicou daria ao monarca um poder de moderador que este não usou, o que é em si mesmo uma verdadeira petição de princípio!

Pode ser por isso que, depois de ter legitimado uma declaração de independência num referendo repleto das ocorrências que se conhecem, e de a ter suspenso, o governo de Madrid veio dizer dele que “não sabe onde está, para onde vai nem com quem quer ir”, e parece ter toda a razão.

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt 

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990