O voto “vou ali e já venho”


O PSD tem de se afirmar e agir se quiser recuperar os votos que foram dar uma volta até ao CDS e fazer face a um PS e a um António Costa que estão cada vez mais pujantes


1) A história da democracia portuguesa mostra que, volta e meia, os eleitores castigam fortemente os partidos maioritários (PS e PSD, e o PCP nas autarquias). O fenómeno aconteceu ao PS quando se quedou por 23% de sufrágios devido a uma fuga enorme para o PRD, o qual inchou até quase 20% para depois se finar sem deixar rasto. Agora voltou a dar-se com os comunistas mas, sobretudo, com os sociais-democratas em Lisboa e Porto.

Quando assim reagem, os eleitores estão a dar um sinal ao seu próprio partido mais do que a aderir a outro. Foi isso que sucedeu ao PSD nas duas maiores cidades do país. Fartos de Passos Coelho, dos seus discursos sofridos por não ser governo, da sua incapacidade de lhes oferecer uma solução mobilizadora, os eleitores urbanos do PPD/PSD foram dar uma voltinha com Assunção Cristas e com o movimento que Rui Moreira constituiu para ganhar a Invicta. Como é óbvio, as votações em Lisboa e Porto traduzem o sentimento geral da população e, em parte, mimetizam legislativas, sobretudo quando não se tinha candidatos autárquicos fortes para colmatar a fraqueza nacional do partido. Por isso, quem ganhou foi Cristas, que era a única figura nacional a correr em Lisboa. Medina ainda não tem esse estatuto e por isso falhou a maioria absoluta.

Vale, portanto, a pena recordar que entre nós já houve alguns terramotos políticos do género do de 1 de outubro, voltando- -se mais tarde a uma certa normalidade partidária. Veremos se as legislativas, nas quais cada um deverá pedalar a sua bicicleta, confirmam essa tendência.

Nesta nova fase, o PSD deve ficar bipolarizado entre Rui Rio e Santana Lopes, cuja candidatura era dada por certa à hora de enviar esta crónica, depois de Montenegro (de forma politicamente coerente) não ter avançado e de Rangel ter feito o mesmo, embora tenha alimentado com citações filosóficas essa hipótese lançada pessoalmente por Passos. Desistir depois disso, invocando razões familiares (e não pessoais), não faz sentido sem haver uma explicação formal, até porque Rangel tem uma vida política ativíssima na Europa. A disputa Rio/Santana promete ser renhida, sendo curioso notar o posicionamento dos passistas do aparelho, que estão chegar-se a Lopes e a facilitar-lhe a campanha, alargando o timing da sucessão até fevereiro. Outros guardam distância, seja para terem espaço no futuro ou porque entendem que o PSD não teria tido esta débâcle se Santana tivesse aceitado o repto de concorrer a Lisboa, que foi gerindo como um tabu, saltando fora quando já era tarde para se arranjar alternativas de peso.

É, entretanto, adquirido que não surgirá uma terceira via destinada a promover o debate das tais questões ideológicas e estatutárias que todos invocam, mas que nunca são equacionadas. Pedro Duarte não avançou e mais ninguém com peso pegou nessa bandeira, que poderia perfeitamente ser ostentada por gente com valor político e intelectual, designadamente Paulo Mota Pinto, o que não impediria que, no final, se verificasse uma convergência com as posições de Rui Rio. Já uma eventual candidatura de Pinto Luz nada teria a ver com ideologia, mas apenas com tática, semeando para colher mais tarde, como em tempos fez Passos Coelho.

No meio disto há uma certeza: o PSD tem de se afirmar e agir se quiser recuperar os votos que foram dar uma volta até ao CDS e fazer face a um PS e a um António Costa que estão cada vez mais pujantes, contando com a geringonça, mas podendo também dispensá-la. Só faltava mesmo é não haver PPD/PSD, para dar de bandeja a Costa um euromilhões eleitoral e o país ficar sem hipótese de alternância.

 

2) A justiça portuguesa está cheia de situações contraditórias ao nível do procedimento do Ministério Público. Há dias, a revista “Sábado” ilustrava bem essa situação a respeito do BPN, no qual se aplicaram critérios profundamente diferentes para atos parecidos. Num caso, da empresa Catum e Fantasia, não houve acusação apesar de um negócio ruinoso em cerca de 70 milhões. Noutro, o ex-ministro da Saúde Arlindo de Carvalho foi acusado num processo que dura há nove ou dez anos, estragando-lhe a vida. Alguém explica? Afinal, quem controla e quem garante a igualdade de tratamento? Tanto ou mais grave é o caso de Manuel Vicente, o ex-vice-presidente de Angola, acusado de suposta corrupção passiva de um magistrado (curiosamente, ex-Ministério Público). De nada valeu a circunstância de a criatura ser vice-presidente de Angola e estar, portanto, coberta por todo o tipo de imunidades. Uma justiça que não conseguiu sequer dar uma repreensão a dois iraquianos selvagens filhos de um diplomata acha-se no direito de pôr em causa as relações entre dois Estados tão interdependentes. Admitindo (o que não é óbvio) que a lei permita o caso Vicente, mas não o outro, então o poder político que tenha a coragem de criar uma nova que permita ao governo invocar razões de Estado para, em casos como o de Angola, pôr fim a certos exibicionismos justicialistas que, obviamente, darão em nada.

 

Jornalista