Nádia Piazza. “Desamparados, sempre estivemos. Agora estamos mais lúcidos”

Nádia Piazza. “Desamparados, sempre estivemos. Agora estamos mais lúcidos”


Associação de Apoio às Vítimas de Pedrógão Grande representa 47 das vítimas do fogo. Nádia perdeu o filho de cinco anos e promete não baixar os braços até ser feita justiça. Relatório de comissão de peritos é entregue ao parlamento amanhã


Arranjou forças para mobilizar familiares das vítimas do incêndio de Pedrógão Grande. A dor é enorme, mas move-a a necessidade de justiça e de recuperação do direito e dever de autodefesa das populações esquecidas do interior, que escolheu para casa há mais de uma década. Aos 39 anos, Nádia Piazza lidera a Associação de Apoio às Vítimas de Pedrógão Grande. No fogo de 17 de junho perdeu o filho de cinco anos, o ex-marido, a sogra, e diz que hoje, na associação, todos os que sofreram o golpe da tragédia são também como família, com uma missão. Aguarda com expetativa o relatório da comissão de peritos nomeada pelo parlamento, que amanhã será entregue em São Bento. Começa a chegar a hora da justiça, mas também de agirem eles, a comunidade. A hora de tornar a sociedade civil menos passiva, com direito a defender-se. 

No próximo sábado, a associação organiza o primeiro encontro em Pedrógão Grande, sobre autoproteção e resiliência das populações. O que vos fez avançar para esta iniciativa?

O óbvio. Mas isto não foi uma coisa que surgiu só com a tragédia. Esta tragédia fez-nos mover, mas era algo latente naquela que é a massa crítica da região.

A perceção de perigo?

Sim. Os meus olhos estão menos habituados a esta paisagem, mas nos 16 anos que vivo em Portugal e nos dez anos que vivo nesta região, no interior, fui-me apercebendo disso.

A Nádia é brasileira. 

Sim. Nasci no Brasil, mas a minha ascendência é toda italiana. Mas quando cheguei cá, mesmo há dez ou 15 anos, a paisagem não era assim. A eucaliptização foi uma coisa brutal. Então se recuar 20 ou 30 anos, nada disto existia. De todo. Mas só posso falar do que vi, e quando cheguei havia mais aceiros, os eucaliptos não eram este contínuo que vemos hoje. Agora parecem cabelos, até dançam com o vento.

Alguma vez tinham tido algum susto?

Não. Apesar de haver incêndios todos os anos, nunca tínhamos sentido o fogo próximo de nós. Durante seis anos morámos numa aldeia aqui em Pedrógão, na Salaborda Nova. Há uns anos houve um incêndio na encosta e a nossa casa tinha uma vista grande para o fogo. Era uma coisa pequena, mas impressionante. Os bombeiros estiveram lá e um carro dos bombeiros ficou estacionado à frente de nossa casa durante o rescaldo. De madrugada levámos-lhes café, comida. Havia uma sensação de segurança. Nunca tínhamos sentido o fogo descontrolado… o que aconteceu foi um choque. Agora, se começarmos a olhar para as estatísticas, vemos que há um crescendo destas situações. Houve mortes em 1983, em 1986, em 2003, em 2005. Há um crescendo e isto tem de ter uma explicação. 

Que explicação encontra?

O abandono do interior. O Estado abandonou as regiões, com o Estado vão as empresas e com as empresas vão as pessoas.

É isso que vão discutir no encontro no sábado?

Sim, começa com este ponto de partida sobre o abandono do interior, com o facto de haver políticas florestais umas atrás das outras e de ninguém se entender. Com o haver administrações públicas e locais que levam anos para aprovar planos, e os municípios, nestas matérias, também acabam por se sentir reféns. Eu trabalho num município e sei de cadeira como são as coisas: os meses, anos que demora a aprovar um documento.  

Qual é o estado de espírito das pessoas que representa na associação? Sentem-se desamparadas?

Desamparados estivemos sempre. Estivemos antes, durante, depois. Acho que agora estamos mais lúcidos desse desamparo. 

Leia a entrevista a Nádia Piazza na edição do i de amanhã.