Para mim, existem vários tipos de saudade. Dei-lhes nomes.
De vários géneros, com várias formas, com maior ou menor intensidade, com mais ou menos drama. Não há nenhuma que não sinta. Acho que a saudade tem muitos tons, muitas músicas. Dizem que é muito nossa, que é de nacionalidade portuguesa, que faz parte do nosso sangue. E sangue, tem. A saudade tem sangue, tem origem, tem ADN. A saudade tem personalidade e é gaja – porque a saudade é bipolar –, varia, muda, altera-se.
Se, por um lado, não sou muito saudosista com o meu passado – nunca acho que fui mais feliz ontem porque acredito sempre que “agora é que é bom” –, as saudades aparecem-me no presente. Achas estranho? Talvez seja, mas funciono assim. Sinto saudades hoje, de hoje, sobre hoje. Se hoje estou com as pessoas, lembro-me que amanhã não estarei e já sinto saudades delas. Que coisa é esta de se ter saudades quando não há ausência? Saudade não significa falta? Como é que se tem saudades de quem está connosco? Sinto esta saudade várias vezes. Esta é a minha maior saudade. Quando estou com os meus pais e estamos como eu gosto – a rir e a falar sobre tudo –, ao mesmo tempo que me delicio, que usufruo, sinto também algum desconforto porque sei que amanhã irei embora e que aqueles momentos irão fazer-me falta. O prazer traz desconforto e o segredo é saber não me perder por sentimentos nem ideias que me afastem do presente, e estar simplesmente. Estar só ali. Esta é talvez a saudade que mais me “ataca” e aflige e que sinto com maior frequência: a saudade presente. Ou, então, ainda não passou, ainda está a acontecer e não vou a lado algum, mas sinto falta porque é tão bom que parece que escasseia. Sinto saudade só de imaginar a falta – e é assim que me sinto todos os dias quando estou com o Tiago. A saudade presente é tão boa que parece que escasseia.
Depois há aquela saudade mais conhecida, que mais sentido nos faz: a saudade nostálgica. Não está necessariamente ligada à perda, ao luto, mas existe apenas porque é passado e soube bem: como a saudade da infância, a saudade de ir à escola, a saudade de brincar. Essa, não sinto tanto. Mesmo tendo as melhores recordações da minha infância, da escola e, depois, da faculdade, não sei explicar o motivo, mas não me sinto abalroada por ela. Talvez esteja, de alguma forma, treinada para ser uma pessoa do presente e não me permita viajar por dias quentes em que a mangueira do jardim servia de piscina. Talvez não queira sentir muita saudade nostálgica ou talvez nem a sinta porque essa menina nunca deixou de existir.
Depois vem a outra – a saudade magoada –, e esta é uma mistura de todas as saudades do mundo: é presente porque, como aparece nos nossos dias e nas nossas rotinas, sente-se tão forte como se fosse hoje o primeiro dia que a sentimos; é nostálgica, tão nostálgica, obrigando-nos a viajar para outro tempo que parece ter sido noutra vida, soube tão bem mas desta vez magoa, afinal, sabemos que não volta. A saudade nostálgica também não volta, mas ainda pode ser recordada à mesa com os irmãos e os primos que, apesar de já terem crescido, ainda fazem parte dela. A saudade magoada, não. Essa já não telefona, porque já não existe. A saudade magoada aparece a qualquer momento, num passeio, a ouvir uma música, acompanhada de uma recordação. Não queremos sentir esta saudade todos os dias – nem podíamos. Não viveríamos em paz assim. Esta saudade impõe um trabalho emocional constante, muito choro e amigos por perto. Esta, também a sinto. Apesar de ser uma saudade tramada, não quero nunca deixar de a sentir – porque é uma saudade viva.
Depois há as saudades do que ainda não se viveu. Esta é a saudade insana, que não faz sentido porque não pertence a nenhuma realidade. Nem sequer nos pertence. Temos saudades duma casa que ainda não nos pertence, duma viagem que ainda não fizemos mas queremos tanto, dum amor que queremos que chegue.
Há vários tipos de saudade. Não há nenhuma que não me caiba. Não há nenhuma que não queira. São todas nossas – a presente, a nostálgica, a magoada e a insana, cada uma sentida à sua maneira. Cada uma tão menina.
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