Chegados a Gulpilhares, freguesia de Vila Nova de Gaia, parte-se à procura da praia, a tal onde há uma capela em cima das rochas, na zona de rebentação: Capela do Senhor da Pedra, de costas para o mar. Estava um daqueles dias brumosos de outono. À entrada da praia do Senhor da Pedra, uns cartazes, bilingues, anunciam que esta foi considerada, em 2015, uma das mais bonitas da Europa no ranking do “European Best Destinations”, para que conste. Um vasto areal nu sulcado pelo rodado dos tratores de limpeza, agora que as barracas e os toldos foram levantados, estendia-se até ao debrum esbranquiçado que indicava o começo do mar, porque o nevoeiro insistia em dançaricar, ora tapando ora destapando a capelita, sem largar a cortina de poalha que escondia a linha do horizonte: mar e céu, iguais e acinzentados, a perder de vista. E por sobre os rochedos enxutos e fincados na areia apenas na maré vaza, encarrapitada e posta em sossego, a capela abria-se para as dunas, já muito refeitas e atravessadas por quilómetros de passadiços de madeira, como que a avisar-nos que, em dias de mar picado, o espetáculo é garantido. Outro, que não o da bruma serena e relaxante.
Muito diferente da bruma tumultuosa que nestes dias tem pairado sobre a Catalunha, e nos desassossega. Por muito atabalhoado que possa ter sido o processo do referendo, o que se passou no domingo, dia 1, por desmesurada intransigência do governo de Madrid, merece repúdio. Não há maneira de justificar que a violência policial foi proporcionada: a linguagem dos bastões e das balas de borracha serve os argumentos de quem não tem como argumentar. É triste e impossível de aceitar.
O domingo dia 1 também foi distintivo para nós, portugueses, felizmente por boas e democráticas razões. Houve eleições locais, uns venceram e outros foram derrotados, e outros nem por isso, só uns amargos de boca… Mas o mapa nacional foi diferentemente pintalgado e o povo de esquerda rejubilou: o país dá-se bem “geringonçado”! O PSD sofreu uma hecatombe que não pode deixar de ter consequências – a ver se Passos Coelho entende de vez que já não há paciência para a cantilena da desgraça.
De caminho ao Senhor da Pedra sobrou tempo para uma demora na Afurada, a típica vila piscatória que entrou no roteiro dos turistas – até há pouco terra de peixeiras, lavadeiras e pescadores, pobre e sem encantos… – e (ainda?) não se deixou enredar por modas de ocasião. Terra castiça nas gentes e nos costumes, as moradias, muitas térreas, azulejadas, emprestam às ruas onde poisam estendais, fogareiros e os sapatos dos da casa um colorido rebuscado-kitsch que surpreende. Surpresa que aumenta quando se descobre que o grande e improvisado estendal que se levanta junto à marina – os mastros dos veleiros alinhados contrastam com os paus inclinados e ligados por arames onde esvoaçam roupas a secar ao sol – serve as usuárias do lavadouro público ali plantado, coberto e disfarçado. É o cheiro do sabão e o murmurar das mulheres – sim, só mulheres – que chamam a atenção. E lá se vai espreitar: tanques enormes com pedras de lavadouro e as roupas ensaboadas e enxaguadas atiradas para os alguidares que hão de ser carregados à cabeça. É assim na Afurada.
Gestora, Escreve quinzenalmente