Glenn Gould. Muito mais que pianista, génio musical

Glenn Gould. Muito mais que pianista, génio musical


Foi um dos maiores pianistas da história, intéprete sublime que um dia resolveu deixar de atuar ao vivo. O génio deixou-nos faz hoje 35 anos


“Glenn fez com que fosse fixe criar obras que forçam as pessoas a cavar fundo”, diz à CBC Andrew Forde, violinista de Toronto, que acaba de editar um tema chamado “Branches” que combina a música de Glenn Gould com o hip hop. É o primeiro single de um novo álbum que homenageia o pianista canadiano falecido faz hoje 35 anos, poucos dias depois de ter chegado aos 50. O disco chama-se “Ideas of North” e vai beber inspiração ao documentário radiofónico que Gould fez para a rádio pública canadiana (CBC) em 1967.

Esses três “documentários sonoros” mostram que Gould foi mais do que o pianista famoso das “Variações Goldberg”, que gravou pela primeira vez aos 22 anos, e se tornaram num sucesso musical.

Quando se retirou dos concertos, aos 31 anos, no auge de uma carreira brilhante que começara cedo e cedo o projetara para o centro do universo pianístico, dedicou-se a escrever, a pensar, a concretizar esses originais programas radiofónicos transformados em composições sonoras. Mostrou que havia nele mais genialidade que a do extraordinário intérprete. Há quem diga que ele e Vladimir Horowitz são os expoentes máximos do piano, pela sua capacidade de serem originais, excêntricos, no sentido em que cada aproximação a uma partitura resultava sempre em algo diferente. Umas vezes sublime, outras menos, mas únicas.

Gould era assim, foi assim até que um acidente vascular cerebral o deixou numa cama de um hospital do Toronto até o pai decidir mandar desligar as máquinas por os danos terem sido considerados irreversíveis. Tinha completado 50 anos a 25 de setembro; morreu a 4 de outubro de 1982.

A criança prodígio nascida em Toronto que lia partituras aos três anos, começou a compor aos cinco e aos 12 já tinha recebido um diploma com distinção do conservatório. Começou a tocar em público como organista em 1945 e um jornal da época juntou-lhe pela primeira vez génio ao nome: “Rapaz de 12 anos mostra genialidade como organista”.

Era o começo de uma carreira cheia de encómios que depois da gravação das “Variações Goldberg” se tornou mundial e o levava de cidade em cidade por entre aclamações e entusiasmos e multiplicação de convites (foi o primeiro pianista norte-americano a tocar na União Soviética, em plena Guerra Fria) que o levou, em Abril de 1964 a dizer “basta”.

Preferiu retirar-se, recolher-se para a reflexão, para a escrita – não tanto para a composição, já que compôs pouco –, para as gravações (os processos tecnológicos de estúdio interessavam-no), no fim da vida até para uma carreira de maestro. Fez programas para a CBC em que experimentou com a composição de vozes em contraponto, monólogos de duas e mais pessoas falando ao mesmo tempo com um entrevistado.

As suas excentricidades – essa forma de tocar piano dobrado sobre as teclas, o murmurar da música enquanto tocava – mantiveram-se, acentuaram-se. Hipocondríaco, vestia várias camadas de roupa com sol e chuva por medo das constipações, recusava apertar a mão a alguém e passava o tempo de luvas. Há quem diga dele que tinha laivos autistas. Seja como for, era um génio e aos génios perdoam-se todas as excentricidades.