Se o dia do Juízo Final chegar, quero ter a certeza de que, nesse dia, tenho tempo para dormir uma sesta. Sou horrível quando não durmo o suficiente e tenho a certeza que me desgraçarei só de abrir a boca. Acabarei por reclamar ou bufar qualquer coisa que me irá lixar o karma para o resto da eternidade. Se o dia do Juízo Final chegar, espero não estar com a TPM. Não sou eu quando estou com a TPM. Choro com motivos e sem motivos, choro numa tristeza infinita que não sei porque apareceu, que não tem motivo de existência e que permanece durante três a cinco dias. Espero não estar com a TPM porque isso será o suficiente para me condenar – “se estás a chorar tanto é porque fizeste alguma”. Não fiz, mas vou chorar na mesma. Se o dia do Juízo Final chegar, conto não estar com as minhas irmãs. Somos muito parvas juntas. Iremos estar a rir de coisas sem jeito nenhum, a cochichar palermices, como se fôssemos umas miúdas de 15 anos que acham graça a tudo. E ninguém salva uma alma que está mesmo a pedir que a mandem dar uma volta.
Se o dia do Juízo Final chegar, preciso que a coisa aconteça ao final da tarde – para ter tempo de me arrepender dos erros que cometi. Ainda não me arrependi suficientemente de todos. Se o dia do Juízo Final chegar, espero que os meus amigos estejam presentes. Os amigos protegem-nos sempre. Dizem coisas para defender os nossos erros, justificam-nos e defendem-nos mesmo quando não temos desculpa possível. Gostam de nós assim. Aliás, só gostam de nós assim porque, na verdade, os nossos erros encobrem os deles. Se o dia do Juízo Final chegar, é fundamental que os meus pais não estejam lá. Eles, ao contrário dos amigos, não terão qualquer tipo de contemplação perante o dossiê de todas as minhas asneiras, aflições, estupidez em geral. Não cairão nas minhas desculpas e nas minhas tretas porque já conhecem a peça de ginjeira, não dirão “não faz mal”– “faz, faz, porque eu eduquei-te para seres melhor do que isso!”.
Se o dia do Juízo Final chegar, apesar de ter tantas situações que não abonam a meu favor (como todas as vezes em que prometi que fazia e não fiz, como todas as vezes em que poderia ter falado com mais compaixão e paciência e decidi não o fazer, como todas as vezes em que fui ingrata e parvalhona), espero estar com o sentido de humor apurado. Se souber rir de todos os meus pecados, de todas as faltas, de todas as falhas, talvez percebam que não poderia ter sido de outra forma. Se o sentido de humor não me faltar, sobretudo quando todos os meus defeitos foram apresentados ao público num ecrã gigante, em alta definição, anseio por conseguir dizer alguma coisa que faça rir a plateia, que a anime e que apague um pouco aquela energia negativa de quem está a assistir há uma data de tempo a um desfile de coisas feias. Se o dia do Juízo Final chegar, só me restará o humor. Sei que não terei argumentos porque o dia do Juízo Final não é para ninguém ser ouvido. E esse dia chega para todos. Todos seremos, num momento ou em outro, apontados. E essas serão sempre as vozes maiores, mais barulhentas, mais marcantes. Serão sempre as que apontam as mais altas. Se o dia do Juízo Final chegar e ainda me restar o humor, é porque mantive a minha paz. É porque alguma coisa fiz de jeito. É porque aprendi a não me atirar para o rio onde estão os crocodilos desertos para nos dissecarem, mesmo que pareça um cenário apetitoso. Mesmo que pareça que não há outra solução. Há sempre. Podemos sempre dançar com os crocodilos.
Se o dia do Juízo final chegar, pretendo manter comigo o humor. Quando me restar pouco, pretendo manter o humor. Porque qualquer pecado ou defeito cometido, se for contado com humor, passa a ser só uma “situação” embaraçosa. O humor relativiza as coisas feias. O humor é o nosso advogado de defesa.
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