O meu extremismo é melhor que o teu ou o preconceito de António Costa


A longevidade do governo de Costa está umbilicalmente ligada ao discurso populista da extrema-esquerda panfletária das causas políticas fracturantes em que o PS, historicamente, nunca se reviu


É um lugar-comum, muitas vezes repetido, aquela estafada expressão de que os extremos se tocam.

É também verdade e, aliás, existe inclusivamente um partido que reclama para si ser o amortecedor da insatisfação social que permite, na sua leitura, que a extrema-direita em Portugal não tenha uma expressão relevante, porquanto se assume politicamente como representante de uma parte das áreas onde esta comummente se manifesta e que congrega os insatisfeitos que poderiam para aí resvalar.

Independentemente da efectiva precisão de tal assunção, a verdade é que as extremas – direita e esquerda – reclamam a coexistência de áreas de pensamento político onde as suas ideologias se sobrepõem, ou seja, tendem efectivamente a tocar-se.

Ora, numa altura em que, na Alemanha, o partido da extrema–direita supera o SPD, a discussão sobre o discurso de Estado, e a representatividade das aspirações do hodierno eleitorado nos seus representantes, pode e deve suscitar alguma reflexão para além da simples (mesmo que muito comum e fácil) repetição de atoardas mais ou menos gratuitas e, sobretudo, desprovidas de sentido autocrítico quando se fala de sentido de Estado ou do antigo e do actual posicionamento partidário.

É que, por acção ou omissão, a longevidade do governo de Costa está umbilicalmente ligada ao discurso populista – e respectiva agenda – da extrema-esquerda panfletária das causas políticas fracturantes em que o PS, historicamente, nunca se reviu.

E, por isso, só por manifesta má–fé, falta de memória ou animus decipiendi pode o PM falar de alegado populismo no discurso do PSD, numa alusão a discursos mais radicalizados, como sendo falta de sentido de Estado.

Note-se que uma fatia importante dos votos sobre os quais o PS erigiu um governo não têm qualquer matriz democrática e têm uma repulsa generalizada por pilares fundamentais das democracias modernas e seus princípios, como a democracia liberal e a economia de mercado, a liberdade de expressão e outras quantas liberdades políticas básicas com as quais convivem a desgosto, enquanto esperam a chegada dos amanhãs que cantam.

Costa, que perora sobre o sentido de Estado dos outros e o posicionamento dos seus discursos, estribou-se nos tais partidos da extrema-esquerda que são partidos que historicamente (um deles agora menos que o outro) vêm louvando a revolução bolivariana da Venezuela e enaltecem as virtudes democráticas de Chávez e Maduro.

Entre estes apoiantes que mantêm Costa no poder há mesmo quem se pergunte se a Coreia do Norte não será uma democracia, há quem tenha tecido loas a Fidel Castro e quem tenha da democracia uma visão muito pouco plural para quem manifeste opiniões divergentes.

E há apoios a vários países onde pululam ditaduras torcionárias e o repúdio generalizado de factos históricos nacionais absolutamente estruturantes da nossa democracia, como é o caso do 25 de Novembro.

Curiosamente, Costa convive bem com todos e cada um destes alucinados devaneios da esquerda radical, onde não vê qualquer problema de sentido de Estado nos referidos apoios expressos e públicos de tais partidos ou na sua aproximação, mas permite- -se ser analítico sobre temas da campanha eleitoral de Loures…

Mas pior: seguindo numa cruzada alienada e impulsiva, Costa, que já traíra a importante raiz de partido moderado e democrático do PS ao aliar-se à extrema-esquerda, facto que não lhe causa nenhum engulho, e que segue aproveitando o seu apoio – fazendo uma gestão e instrumentalização a todos os títulos notável dos votos que se garantiu junto dela –, passou, ele próprio, a agente do pior populismo de extrema-esquerda ao repetir toda uma série de dislates sobre a sua versão alucinada do que é o sentido de Estado, prestando-se àquela demonstração de intolerância democrática de que acusa todos os que não alinham pelo seu diapasão de xenófobos, racistas e quejandos, o que, apesar de tudo, o Ministério Público parece não subscrever.

Acontece, porém, que verdadeiramente aquilo que demonstra sentido de Estado é o respeito democrático pela opinião contrária, seja a de André Ventura, seja a beneficiada por muito maior condescendência opinião dos fracturantes opinadores da esquerda radical.

Um homem de Estado e que esteja à altura de definir o que é sentido de Estado, contrariamente ao que parece da amostra junta, deve reger-se por princípios maiores e menos mesquinhos, como os que se atribuem a Voltaire, no livro de S. G. Tallentyre, na seguinte expressão em tradução livre: “Discordo em absoluto do que diz e defenderei até à morte o seu direito a dizê-lo.”

É a tolerância, a inteligência e a capacidade de autocrítica, e não o preconceito útil, primário e panfletário, o que define verdadeiramente um homem com sentido de Estado e um democrata, qualidades que, claramente, não transparecem das últimas palavras de António Costa, que não parece ter descoberto nas suas palavras que, aqui, o rei vai nu.

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990