Domingo é o dia


Domingo é o dia para os que falam no café, os que resmungam nos transportes públicos e no trânsito, os que praguejam nas ruas com os buracos, os que invetivam perante a indiferença dos poderes e os que verbalizam a crítica fácil perante os rumos, sem nunca terem esboçado um gesto para fazerem qualquer coisinha…


Há dias assim, dias em que podemos ser consequentes com os instrumentos democráticos ao nosso alcance. Participar nas eleições é um deles. Exigir que a democracia representativa gere espaços de participação entre eleições é outro, a par da exigência de escrutínio, de transparência, de rigor e de sustentabilidade das opções no exercício de funções públicas.

Domingo é o dia para os que falam no café, os que resmungam nos transportes públicos e no trânsito, os que praguejam nas ruas com os buracos, os que invetivam perante a indiferença dos poderes e os que verbalizam a crítica fácil perante os rumos, sem nunca terem esboçado um gesto para fazerem qualquer coisinha pela comunidade.

É um dia para participar na escolha de quem vai liderar as freguesias e os municípios, num mandato que será marcado por uma descentralização de competências e meios do poder central para o patamar de proximidade e por uma avaliação do tumultuoso processo de extinção e fusão de freguesias – dois compromissos políticos que tinham sido assumidos em 2015, mas foram adiados para as calendas de um novo mandato autárquico.

Domingo é dia de mudar a realidade da abstenção nas eleições autárquicas. É um paradoxo que, nas eleições que escolhem os representantes que exercem o poder político mais próximo dos cidadãos, a abstenção seja da ordem dos 48%. Aliás, há mesmo pseudoarautos da participação democrática que se conformam com lideranças de municípios obtidas com 60% de abstenção, como aconteceu em Sesimbra, Palmela, Setúbal e Seixal. O alheamento geral dá-lhes jeito face à mobilização da sua militância e das clientelas.

Domingo é dia de virar a página das suspeitas infundadas que surgem em rota de convergência com as eleições, sem uma justiça eficaz para agir em tempo útil; de suspender as campanhas negras direcionadas para produzir efeitos autárquicos. E tempo de quem tem responsabilidades na solução governativa da nação voltar a colocar os pés no chão, depois de semanas de propostas nacionais incompatíveis com as disponibilidades financeiras e os compromissos do país.

É claro que a esfera de liberdade de cada um pode ditar o alheamento desta oportunidade de participação, mas essa é a atitude cívica que torna ridícula a crítica sobre os eleitos e a sua gestão autárquica durante o mandato de quatro anos. A atitude de preguiça ou de protesto pelo alheamento assegura que são outros a escolher por quem não se manifesta.

É certo que a campanha eleitoral foi insonsa, retrógrada, com temas colaterais e com pouco foco na mobilização de quem está, há muito, afastado da participação, mas este não é o tempo de somar inexistência cívica à abstenção mais ou menos técnica que persiste nos cadernos eleitorais.

Domingo, com mais ou menos bola, é o dia. Com as convicções de sempre ou novos impulsos, o importante é participar para poder exigir com redobrado crédito cívico. Participar será mais uma resposta aos extremismos, aos populismos, aos oportunismos e a outros “ismos” do nosso tempo. Afinal, há quem ganhe com a abstenção, julgando-se democrata de mão-cheia.

 

NOTAS FINAIS

Dormências. As novelas em torno do que se passou em Pedrógão Grande e em Tancos prosseguem sem que se vislumbre o apuramento da verdade e a assunção das responsabilidades políticas que se impõe. A opacidade e o desnorte são sempre as mães e os pais de consequências negativas para as pessoas, os territórios e os bens. Há demasiadas narrativas políticas sem nexo com a realidade. E os exemplos multiplicam-se, como se viu pelas ocorrências na tomada de posse do novo presidente da República de Angola.

Bocejos. São tão estéreis, tão ao lado da realidade da generalidade das pessoas algumas das polémicas que pululam nas manchetes, nas redes sociais e nas preocupações de alguns que os resultados desses exercícios acabam como o caso dos famigerados cadernos de atividades da Porto Editora para as raparigas e para os rapazes. Edição reposta à venda, como sempre esteve.

Leituras. As eleições alemãs, com a insuficiência do resultado de Merkel, o desastre do SPD e a emergência consequente da extrema-direita da AfD, foram a oportunidade para os bitaiteiros do regime proclamarem o de-sajustamento de soluções de convergência necessárias para viabilizar a participação europeia. Na mesma linha, nas autárquicas, qualquer resultado do PS abaixo dos 150 municípios, reforço do Bloco de Esquerda ou real conquista de novos municípios pelo PCP significará o quê? Fracasso da solução governativa com a extrema-esquerda? Tanto traz e leva, em jeito de ziguezague, só pode gerar desorientação.

Agitações. Depois do chá preto da campanha eleitoral, em que Bloco de Esquerda e PCP nacionalizaram, aumentaram, repuseram e exigiram o equivalente a dois Orçamentos do Estado, sem cumprimento de metas do défice, é tempo de começar a preparar um chazinho de camomila para a realidade de um exercício orçamental em linha com os compromissos assumidos com Bruxelas e com os credores. O verbo é grátis, as medidas custam dinheiro que não há. Um pouco mais de cativações do populismo eleitoral não tinha sido mau. Agora, alguém vai ficar mal na fotografia, o que nunca é grave em gente sem vergonha ou sentido das responsabilidades políticas.

Evidências. É cada vez mais claro que a legislação eleitoral, o modelo de iniciativas e a cobertura das campanhas eleitorais estão mais que exauridas de sentido e não concorrem para o esclarecimento e a mobilização dos cidadãos.

 

Militante do Partido Socialista, Escreve à quinta-feira