Valor da acessibilidade: está esquecido?

Valor da acessibilidade: está esquecido?


É inevitável que a acessibilidade seja usada como um indicador da qualidade de vida e de competitividade nas áreas urbanas devido ao seu impacto nos negócios e nas atividades sociais


A acessibilidade é geralmente referida como a facilidade de alcançar bens, serviços, atividades e destinos que, juntos, são muitas vezes reconhecidos como oportunidades para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. Enquanto a mobilidade está relacionada com o desempenho dos sistemas de transporte de forma independente, a acessibilidade adiciona a interação dos sistemas de transporte e padrões de uso do solo a um nível mais profundo de análise. As medidas de acessibilidade são, por isso, capazes de avaliar os efeitos de feedback entre infraestruturas de transportes e serviços, forma urbana e distribuição espacial das atividades.

É inevitável que a acessibilidade seja usada como um indicador da qualidade de vida e de competitividade nas áreas urbanas devido ao seu impacto nos negócios e nas atividades sociais. Convém, no entanto, não esquecer que são vários os benefícios que a acessibilidade gera fora do setor de transportes, nomeadamente o aumento de competitividade da cidade, o aumento do valor das propriedades para o setor privado, o aumento de potencial na captação de clientes e de trabalhadores para as empresas, etc. Mas também o setor público é beneficiário direto das melhorias de acessibilidade, através do aumento da arrecadação fiscal resultante do aumento de valor da propriedade, ainda que, por vezes, este benefício seja parcialmente amputado pela evasão fiscal. Mas há ainda outro beneficio indireto, o que decorre da inclusão social, que melhora quanto melhor for a acessibilidade para as populações de baixa renda e dependentes do transporte coletivo.

A acessibilidade deve ser, assim, usada com variável-chave para as políticas de desenvolvimento urbano. Isto significa que – em condições ceteris paribus – a um investimento que gera maior potencial de negócios por meio da acessibilidade deve ser dada prioridade e retorno de uma parte desse valor económico adicional para o sistema de transportes. Seguindo o mesmo raciocínio, investimentos que fornecem acesso a mais oportunidades sociais de interação também deveriam ter prioridade e os respetivos benefícios contabilizados, mesmo que não exista nenhuma economia adicional de tempo de viagem.

As melhorias de mobilidade induzem a relocalização de atividades para lugares mais distantes, uma vez que a posse de carro e a maior oferta de infraestrutura rodoviária (com base em políticas de “prever e fornecer”) estimulam a expansão urbana e o impacto no valor dos solos. Portanto, os ganhos de mobilidade para os mais favorecidos podem resultar em perdas de acessibilidade para grupos de baixa renda sem acesso a carro. Isso é agravado pelo facto de a baixa densidade tornar mais difícil proporcionar acessibilidade a todos, já que o transporte público exige uma escala mínima de operação para que seja financeiramente viável. Políticas baseadas em mobilidade têm geralmente priorizado o uso de veículos particulares e tendem a concentrar os benefícios em pessoas mais favorecidas, enquanto investimentos em transportes públicos, e novas formas de mobilidade partilhada, aumentam o acesso para os utilizadores de transporte público e também para os utilizadores do automóvel privado, pela redução do congestionamento.

As cidades diferem substancialmente nas suas estratégias de desenvolvimento. Mesmo lidando com problemas semelhantes, em qualquer momento, cada cidade é condicionada pelas escolhas feitas no passado, que configuram um ponto de partida diferente, e, consequentemente, os decisores têm diferentes perceções sobre quais são os principais problemas que precisam de ser solucionados, as prioridades a assumir, e quais as melhores soluções para os atenuar. É no entanto fundamental garantir o acesso e a inclusão social como prioridades estratégicas e vertê-las no planeamento e na operação dos sistemas de mobilidade, como uma obrigação de serviço público, tal como outras utilidades que dão suporte à vida urbana, nomeadamente eletricidade, saneamento, água e esgotos.

 

Professora e investigadora em transportes (Professor and researcher in transportation) Instituto Superior Técnico