No vale entre o oceano Atlântico e a serra d’Arga, em pleno Alto-Minho, fica Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, a remirar-se nas águas tranquilas que, em dias de calmaria, lambem o areal espaçoso e recortado a formar pocinhas onde a criançada, e não só, se diverte a chapinhar. A serra abriga-a das ventanias e dá-lhe graça, e os montes em redor prestam-se a miradouros, basta ajeitar-lhes o espaço. É o caso do monte do Calvário onde, no cocuruto, se encontra a capela/gruta de Nossa Senhora de L(o)urdes – pretende, ao que parece, recriar a gruta francesa das supostas aparições… -, em estilo kitsch, em cujo interior mimético merece destaque o painel de parede destinado a ex-votos: fotografias, muitas, e papéis escritos, textos deliciosamente mal ortografados. Enfim, tudo a combinar. A “descombinar” temos a genuína paisagem a que o olhar, satisfeito, se entrega em devaneios de passeata da serra para o mar e do mar para a serra, tantos são os verdes e os montes em fundo azul, e outro azul ao fundo. E até a foz do Âncora, o pequeno rio que nasce na serra, a de Arga, e se precipita em cascatas e pinchos antes de chegar ao mar, todo espraiado, acrescenta uma bela pincelada ao quadro.
Ora, se por estas bandas mar e serras se combinam, outro tanto não acontece quando desbordamos para outras terras da Europa unida. A começar pelo estado da União e pelo discurso de Jean-Claude Juncker, a semana passada, no Parlamento Europeu. A União a que preside, e de que tem uma ideia muito própria e colorida, está longe de se deleitar na alegoria que enunciou: “o vento volta a soprar nas velas da Europa. Temos uma nova janela de oportunidade mas não vai estar aberta para sempre. Vamos tentar aproveitar ao máximo esta oportunidade: aproveitar o vento nas nossas velas”. Então, com apenas dois exemplos, vejamos:
1 – A terceira ronda negocial do Brexit, que decorreu entre 28 e 31 de Agosto p.p., terminou sem que houvesse “qualquer progresso significativo”, segundo
Michel Barnier, negociador principal por parte da União Europeia (UE). São vários os não entendimentos entre as partes, mas a questão irlandesa não será o menor. O Acordo de Sexta-Feira Santa foi o garante da paz na ilha da Irlanda, e pode estar ameaçado, uma vez que a única fronteira terrestre entre o Reino Unido e a UE passa a ser a da República da Irlanda. Fronteira que vai abrir novamente a ferida da divisão entre o Norte e o Sul da ilha.
2 – O referendo sobre a independência da Catalunha, agendado para o próximo dia 1 de Outubro, e a reacção musculada do governo de Madrid, independentemente da questão constitucional avocada, têm acalentado um sentimento de revolta dos catalães, cada vez mais generalizado, mesmo entre os que não se revêem no actual projecto independentista. Basta ver o que aconteceu no passado Dia Nacional da Catalunha, 11 de Setembro, quando centenas de milhar de pessoas, vestidas a preceito e empunhando bandeiras e estandartes, pintaram de amarelo as ruas de Barcelona. Foi o grito da Diada, como é chamado esse dia, a troar num rio de raiva que ameaça galgar as margens do Estado espanhol.
Donde, não se apresentam de feição os ventos que enfunam as velas destes europeus. E o mais que há para contar…
Gestora, Escreve quinzenalmente