Geringonça: abana mas não cai


Está tudo como deve ser em vésperas de autárquicas e no meio da discussão do Orçamento. Os arrufos do Bloco e do PCP fazem parte do jogo político da época


1) Para usar uma expressão popular das que Jerónimo de Sousa gosta, é caso para dizer que Bloco, PCP e Verdes estão na actual fase política como o “cão que ladra mas não morde”. Não admira que assim seja. No fundo, é fruta da época. Em vésperas de eleições autárquicas e quando se discute o Orçamento do Estado (OE) faz parte do cenário as forças que sustentam parlamentarmente o governo armarem um certo alarido social e mediático para impressionar os seus eleitores. Estamos, portanto, numa fase normal que terá novos picos de tensão até à aprovação final do OE que até pode, no limite, vir a recolher votos a favor ou abstenções complacentes do PSD e do CDS na especialidade ou na sua forma final, pois toda a discussão é basicamente um leilão de propostas dentro dos parâmetros objectivos condicionantes.

Claro que, principalmente, os partidos de esquerda querem coisas concretas e vão obter algumas. Mas a verdade é que não têm como condicionar PS e António Costa para quem uma crise política governativa seria um passaporte para uma maioria absoluta, se houvesse legislativas antecipadas.

Faz por isso sentido o cenário adiantado por Marques Mendes na SIC de que estamos perante um horizonte de estabilidade. E pode-se acrescentar que esse cenário é provavelmente o mesmo que se seguirá às legislativas de 2019 em que – se não houver inversão grave da tendência económica- o PS pode aspirar a uma vitória folgada, sendo que o desejável para ele poderia ser não dispor de uma maioria absoluta para obrigar pelo menos um dos seus parceiros actuais (desejavelmente o PCP) a comprometer-se com mais uma forma qualquer de acordo político, evitando assim conflitos sociais arrasadores da economia.

Um sintoma de que o estado actual da política é rigorosamente o que deve ser em vésperas de eleições e de OE é a postura recatada que Marcelo Rebelo de Sousa, o nosso prolixo Presidente, adoptou ultimamente, intervindo o estritamente necessário, distribuindo elogios por todos os quadrantes e apelando a valores nacionais.

2) Como logo se admitiu neste espaço, existe uma razoável probabilidade do assalto a Tancos ser uma encenação para mascarar um desvio permanente e regular de material. Foi, aliás, isso que Azeredo Lopes insinuou numa entrevista. O problema é que essa hipótese também é gravíssima porque o desaparecimento gradual, com simulação, pressuporia uma rede permanente dentro da organização militar. Há ainda outra possibilidade: a de pura e simplesmente o suposto assalto ter sido uma manobra para justificar faltas de material que estava recenseado e que foi usado sem registo do seu abate. O problema é que ao ministro compete esclarecer e não interrogar-se. Ou se livra de vez deste assunto ou, tal como a sua colega da Administração Interna, Azeredo Lopes deixa de ter condições para se manter no governo. Pelos vistos, a necessidade absoluta de uma remodelação vai voltar a ser tema rapidamente.

3) Como é mais do que evidente a história da compra da casa de Fernando Medina foi guardada e largada no momento mais oportuno, tratando-se de uma manobra política, como muitas outras a que se assistiu em ocasiões de campanha eleitoral. Dito isto, também é verdade que as justificações do edil são pífias. Numa sociedade em que todos se conhecem e são primos, não se saber a quem pertencem os apartamentos numa rua chiquérrima e num prédio de classe média alta, onde até vive o socrático sogro de Medina, é algo que custa acreditar. Assim como também é desconcertante a circunstância que alguém da família Teixeira Duarte perca 200 mil euros num apartamento, embora se reconheça que a venda ocorreu numa fase de recessão. Oxalá a vendedora nunca tenha funções executivas na empresa. Quem anda na política tem evidentemente o direito de ser rico e de fazer boas compras. Mas deve rodear-se das maiores cautelas em qualquer negócio que faça, o que não foi manifestamente o caso. Cautela portanto, Dr. Medina, para não estragar a imagem positiva que mantém. Quanto à adjudicação de uma empreitada directa à Teixeira Duarte ocorrida depois da compra, nada a dizer a não ser que lamentavelmente é uma prática corrente para evitar uma burocracia infernal.

4) Diariamente sobe a tensão entre o estado espanhol e a Catalunha por causa do referendo sobre a independência marcado pelo governo de Barcelona para 1 de Outubro e que Madrid rejeita. Apesar de Portugal ser, por razões óbvias, o país que mais facilmente pode entender a natureza do conflito secessionista é de notar a superficialidade com que o tema é tratado entre nós no comentário político e na imprensa que retoma essencialmente o que dizem os jornais nacionais espanhóis El País e El Mundo. Ora importa dizer que ambas as publicações (que chegaram a mostrar ambições de serem jornais de referência internacional) deixaram de ser informativas, virando meros panfletos anti-Catalunha. Mau jornalismo lá, preguiça ou então seguidismo cá. Honrosa excepção para a correspondente da RTP no país vizinho.

 

Jornalista