Manhã de terça-feira. Perto das onze, não há muito movimento fora da pequena sala dedicada às encomendas vindas do estrangeiro na av. Marechal Gomes da Costa, em Lisboa. Muitas vezes, na rua, costuma haver carros parados em segunda fila. Lá dentro, as cadeiras estão cheias de pessoas a aguardar vez e a máquina das senhas não pára de fabricar pequenos papéis que impõem a ordem de atendimento.
Já não é a primeira vez que Cristiano Gonçalves, de 37 anos, visita aquela sala. “Hoje até correu bem, mas já passei aqui três horas e meia à espera”, diz. É colecionador de plantas raras e tem de as encomendar de outros países que normalmente ficam fora da União Europeia, o que complica o processo de entrega. “É sempre uma dor de cabeça, porque o produto vem da China. Já está pago, pago os portes, porquê ainda estar a pagar taxa? Não faz sentido. Se isto fosse um negócio meu tinha de contratar transportadores senão, caso contrário, passava aqui a vida”, resume.
Andreia Ramos, Cristiana Madureira e Rodrigo Rodrigues relatam um cenário semelhante. Os três amigos vieram de propósito de Leiria para poderem levantar o telemóvel que Rodrigo encomendou há cerca de um mês pela net. “No início de agosto encomendei um telemóvel, demorou um mês a chegar e foi quando descobri que estava retido na alfândega”, conta. No entanto, o jovem não foi imediatamente avisado, só quando contactou a entidade é que lhe explicaram o motivo do atraso.
Chegou por volta das dez e, depois de ter esperado mais de uma hora e ter pago a taxa, sai de encomenda nas mãos. O telemóvel que inicialmente lhe tinha custado 100 euros passou a 146, por causa dos 46 euros de taxa alfandegária que lhe foram cobrados. Rodrigo e os amigos não têm meias palavras: as taxas são “abusivas” e não faz sentido serem cobradas por um produto que já está pago.
Queixas aumentam As reclamações parecem estar a aumentar. O i contactou Autoridade Tributária e Aduaneira, mas não foi possível obter resposta até à hora de fecho desta edição sobre o total de queixas recebido.
Já os CTT, que trabalham em parceria com a alfândega, referem que as queixas representam “1% do total de encomendas que passam pela alfândega e respeitam, na sua maioria, ao tempo que os objetos permanecem à guarda dos serviços e, também, aos pedidos sucessivos de informações e documentos despoletados pela alfândega”. Fonte oficial indicou ainda ao i que os CTT entregam todos os dias cerca de 60 mil encomendas, provenientes de todo o mundo, e menos de 2% precisam de apresentação à alfândega. “A quase totalidade das encomendas que entram no país chegam aos seus destinatários num prazo máximo de três dias, contado a partir do momento em que entram no país (quando não são sujeitas a tratamento alfandegário) ou a partir do momento em que a alfândega as liberta.”
Mesmo podendo ser uma minoria das encomendas a passar pelas alfândegas, o Portal da Queixa, plataforma que reune reclamações feitas por cidadãos, tem alguns dados ilustrativos.
O portal foi criado em 2009 por Pedro Lourenço e permite aos consumidores falar diretamente com a marca para que consigam resolver “os seus problemas rapidamente através da internet”. As queixas relativas às alfândegas, CTT e transportadoras são habituais. Só no ano passado chegaram ao portal 1009 queixas e entre o período de 1 de janeiro a 31 de agosto de 2016 foram registadas 690 reclamações. Este ano, nestes mesmos oito meses, registaram-se 1245 queixas, um aumento de cerca de 80%.
Ao comparar estes números com as queixas entre 2009 e 2015 (apenas 292 reclamações) a subida é notória. Lourenço resume o conteúdo. “Muitas têm a ver claramente com o tempo e a demora na libertação por parte da alfândega. Outros referem a própria encomenda e o custo das taxas”, explica. Na maior parte dos casos, acabam por ser superiores ao valor total pago pelo produto. Mas, para além da alfândega, as transportadoras também têm uma certa culpa no atraso das encomendas e são muitas vezes alvo de reclamações. “As reclamações que foram feitas também têm a ver com as próprias transportadoras, que acabam por contribuir no meio deste processo todo”.
Como explicar o aumento? Para o fundador do portal, não dá dúvida de que é consequência de haver cada vez mais pessoas a comprar online, atrás de pechinchas ou produtos que não existem cá. “A maioria da entrada deste tipo de encomendas nas alfândegas têm origem nos países orientais. Contudo, quando chega a Portugal, acabam por se deparar com valores muitas vezes superiores àquilo que poderiam ter comprado cá”, alerta Pedro Lourenço.
Processo e alternativas Mas afinal como se processa isto tudo e que alternativas existem para evitar que a encomenda não passe pela alfândega? De acordo com os CTT, cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira fazer a “triagem das encomendas extra-comunitárias” e determinar “se há taxas a pagar”. Caso a encomenda fique retida existem dois cenários possíveis: se tiver fatura, a alfândega avalia o produto e, se estiver abaixo do limite de isenção (IVA e direitos aduaneiros), é enviado para os correios mais próximos da morada, podendo ou não ter de pagar taxas. Por outro lado, caso não tenha fatura, o consumidor recebe um aviso em casa com indicações de como deve proceder.
Lourenço lembra que atualmente existem algumas alternativas a que os utilizadores podem recorrer para que a sua encomenda não passe na alfândega. “Existem outro tipo de operadores e também outro tipo de entidades que contornam a passagem pela alfândega, como é o caso das encomendas que vêm diretamente da Espanha”.
O tipo de envio escolhido pode ser uma solução à dificuldade que os consumidores têm em comprar produtos vindo do oriente. Há cada vez mais sites de encomendas com várias opções de envio, só é necessário analisar o mais vantajoso. *Artigo editado por Marta F. Reis