Diogo Costa Amarante. “Não posso achar que sou mais do que outros”

Diogo Costa Amarante. “Não posso achar que sou mais do que outros”


Até “Cidade Pequena”, último Urso de Ouro das curtas em Berlim, este nome não soaria provavelmente familiar. Mas a carreira de Diogo Costa Amarante não começou aqui. Andou longe, apenas. Primeiro de uma série de três perfis dos realizadores das “3 Novas Curtas Portuguesas”, que continuam ao longo desta semana em sala.


Edgar Pêra. Entre ele e Diogo Costa Amarante haverá uma história e bem maior do que parece. Há dez anos que não se veem mas foi há dez anos que se cruzaram e isso bastou. Seria desse encontro, num workshop de Cinema em que o agora-realizador-então-advogado-estagiário num reputado escritório lisboeta se inscreveu sem saber ao que ia, impulso quase profético, que havia de nascer Digo Costa Amarante, o realizador.  

Segunda parte de uma vida que estava já a ser outra mas que veio impor-se quando no final desse curso com Egar Pêra e Nuno Melo, integrado no extinto festival Hola Lisboa – o desafio para os dez alunos admitidos era que numa semana completassem uma curta-metragem a partir de uma palavra, “tortura”, com um ator, Nuno Melo, num espaço – Edgar Pêra lhe perguntou se estava disposto a aceitar o prémio. Assim mesmo, porque aceitar o prémio seria mudar de vida, deixar tudo, um estágio quase completo e uma casa em Lisboa, e partir para Barcelona com uma bolsa para um mestrado em Documentário.  

Pois contra o que aos olhos dos outros parecia razoável, ele foi. E seis meses tornaram-se quatro anos. Um documentário bem recebido e premiado em Espanha, depois outro, e de repente o advogado estagiário que tinha apresentado aquela curta que “era a coisa mais tosca”, pelo meio das noites não dormidas só a tentar perceber como funcionava o programa em que tinha que ser feita a montagem, mas em que Egar Pêra viu “qualquer coisa”, dava aulas como professor assistente em direção de fotografia.  

Regresso a Portugal, mas curto, paragem seguinte seria Nova Iorque com um estágio profissional através do programa INOV-Art para trabalhar por um ano na Open City Films, produtora de Joana Vicente, agora presidente da Independent Film Project, associação de produtores independentes de Nova Iorque. Aí o trabalho era ler argumentos, fazer a triagem das centenas que chegavam à produtora, entre vários ex-alunos de Cinema da New York University, onde acabou por ir parar ele próprio, para um mestrado de quatro anos que só completaria com o filme que nos traz a ele para esta conversa: “Cidade Pequena”.

Final de um ciclo, princípio de outro. Financiamento recusado em Portugal pelo Instituto do Cinema e Audiovisual, algum filme tinha que ser feito, e Diogo Costa Amarante avançou mesmo assim. Sem dinheiro para o filme possível sem orçamento, que fez sozinho na terra dos pais, com o cunhado como assistente na rodagem e a irmã e um dos sobrinhos como atores. “Já falei com muitas pessoas e com alguns jornalistas sobre isso”, diz-nos numa conversa no Cinema Ideal, a horas da estreia em sala – numa sessão com “Coelho Mau”, de Carlos Conceição, e “Farpões, Baldios”, de Marta Mateus, iniciativa rara para um formato que encontra grandes entraves na distribuição comercial – deste seu filme que mostrou pela primeira vez no ano passado nas Curtas Vila do Conde e que, entre vários festivais, seguiu para Berlim, onde venceu em fevereiro passado o Urso de Ouro das curtas.

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“Não tenho mesmo uma relação de ressabiamento com a história de não ter conseguido financiamento do ICA. Levei hoje eu tampa, mas o do lado ganhou, percebes? Não posso achar que sou mais do que outros.” Até porque o que há “é muito pouco, é uma luta desenfreada”. E não será apenas isso. “Percebo que os meus projetos na escrita não sejam propriamente brilhantes. Há essa questão e eu sei disso”, nota o realizador que acaba de chegar ao fim da escrita do argumento do seu próximo filme, uma longa-metragem de ficção, fase para a qua contou com um apoio ao desenvolvimento do ICA. “Uma conversa recorrente entre as pessoas de Cinema é que tens que perceber o que é concorrer ao ICA com um projeto escrito, sobretudo se não conhecem o teu trabalho. Dizes: 'Financie-me um filme sobre um menino que descobre a morte, ponto'. Se eles não sabem que a riqueza se calhar vai estar mais na forma, no ambiente, isto não é nada. Também acontece o contrário que é teres projetos brilhantes no papel que depois são uma telenovela. Não há fórmulas, é muito difícil, e eu respeito o outro lado porque já lá estive.” 

Sobre fórmulas, também este “Cidade Pequena” deu voltas até que chegasse a esta que foi a final. “Na verdade tenho três sobrinhos e a história aconteceu com o Francisco, não com o Frederico, com quem filmei.” E tudo começou no dia em que a irmã lhe contou que de repente o sobrinho começou a não conseguir dormir, a acordar todas as noites com uma dor no peito. Ida ao médico, exames, tudo bem, para o mistério se resolver em conversa com a professora, numa ida à escola.

“O que é bonito aqui para mim é que, imediatamente, quando ela lhe contou, a professora associou logo o comportamento do miúdo à reação que ele teve quando ela lhes ensinou o corpo humano, que dentro do corpo existem órgãos e que há uns que são mais importantes do que os outros, nomeadamente o coração. Os miúdos perguntaram porquê e saiu-lhe: ‘Porque se ele pára as pessoas morrem.’ De repente o Francisco ficou soturno e, segundo ela, o comportamento dele mudou completamente durante aquela semana. Depois esqueceu-se da história, foi mesmo aquele momento de ter que encaixar aquilo tudo e achei imediatamente lindo como momento de transição gigante.”

Para contar isto num filme, chegou a filmar na escola, com a professora, os alunos, história contada como a conheceu. “Comecei a filmar com eles e a tentar recriar a situação. Patético, como é óbvio, porque era super falso”, recorda. “Foi a meio deste percurso que percebi que não era por essa via que ia conseguir comunicar a emoção que senti ao ouvir a história. Porque ao imaginar a situação vi um filme muito maior do que se estivesse sentado ao lado dele a ver aquilo acontecer. Por isso é que o filme mistura três pontos de vista: o do miúdo, o da mãe, e o meu, realizador, que apareço lá no meio a falar, como esta coisa de isto ser uma emoção que nos tocou a todos, inclusive a mim quando ouvi a história. E isto é que é bonito.”  

 

“Cidade Pequena”, de Diogo Costa Amarante, “Coelho Mau”, de Carlos Conceição, e “Farpões Baldios”, de Marta Mateus, estão em sala no Cinema Ideal, em Lisboa, e no UCI Arrábida, no Porto, na sessão “3 Novas Curtas Portuguesas”

Cidade Pequena: Depois de estrear na edição do ano passado na competição nacional das Curtas Vila do Conde, “Cidade Pequena”, sexto filme de Diogo Costa Amarante, foi um dos quatro filmes portugueses selecionados para as Berlinale Shorts do Festival de Cinema de Berlim, onde em fevereiro deste ano, e na edição seguinte a “Balada de um Batráquio”, de Leonor Teles, foi distinguido com o Urso  de Ouro das curtas.