Fiz-me à estrada. Com o Tiago, peguei em tudo aquilo em que acredito, no livro “Cancro com Humor 2” e numa carrinha pão-de-forma do ano de 74, e fiz-me à estrada.
O mote é simples mas ambicioso: partilhar.
Partilhar parece a coisa mais simples de se fazer e de dizer, mas não é. Estamos cada mais enclausurados, somos péssimos a expor as nossas fragilidades, estamos cada vez mais sozinhos. Partilhar. Partilhar o que somos, o que sentimos, o que vemos, partilhar com um livro na mão que nos ajuda na desculpa de estarmos ali. Partilhar a rir. Partilhar com vulnerabilidade. Partilhar com humor, que é o ato mais generoso de amor. Fazer rir onde há dor, porque se quer aliviar, porque se quer, acima de qualquer coisa, ver o outro feliz. O humor como o ato mais generoso de amor, essa é a máxima.
O dia 9 de setembro foi o dia escolhido. Sou tão despistada que nem me apercebi que também foi no dia 9 que lancei o meu primeiro livro. Datas, dias, momentos que se cruzam. Escolhi a Casa Ronald McDonald do Porto como a primeira paragem porque também foi em casa que este projeto nasceu. Porque me sinto em casa quando falo de Cancro com Humor. Porque quando estava doente era na minha casa que pensava. E, sobretudo, porque esta casa liga-me à Cristiana, a miúda mais divertida que já conheci, que falava de cancro e me fazia rir, que tinha só oito anos quando adoeceu, que voou tão pequenina, que me disse que o seu sonho era, um dia, ter o seu livro publicado, bem junto do meu.
Cheguei ao Porto. Estava extasiada, feliz e ainda a precisar de uns quantos beliscões para acreditar que iria mesmo apresentar o meu livro e com um nó na barriga por não ter a Cristiana ali. Falava dela ao mesmo tempo que organizava a sala, até que descobri que o livro que a Cristiana queria ter publicado já existia. Os pais, juntamente com amigos, realizaram o sonho da Cristiana: não podia acreditar. O livro da Cristiana existia e apenas estava disponível mais um exemplar! Ainda havia UM livro. Com as mãos a tremer e a voz travada na garganta, pu-lo junto do meu, ali, à vista de todos.
“O meu livro e o teu, juntos”, disse-me ela. “O meu livro e o teu, juntos”, disse–lhe eu.
Foi com a Cristiana, que afinal estava mais comigo do que nunca, e com o Tiago do meu lado que fui admirando quem ali estava. Os meus pais, a minha irmã, os meus amigos, a família do Tiago, que também é minha, a família do Jorge, os amigos do Cancro com Humor e uma casa cheia. Confesso que não consegui controlar as lágrimas. Nem quis. O Tiago lia alguns trechos do livro e, quando a emoção o engasgava, eu continuava a leitura. Funcionamos assim: quando um não consegue, o outro continua.
Não era apenas um livro como tantos livros que existem que estava a ser apresentado. Era uma homenagem que se fazia. Era a continuação deles. Era uma história que não terminava. Era a confirmação de que tudo, absolutamente tudo, é uma escolha nossa.
Depois da Casa Ronald McDonald e ainda a digerir as emoções, entrámos com a pão-de-forma em direto no programa da RTP “A Praça”. O Jorge Gabriel esperava por nós nos exteriores da RTP enquanto chegávamos empolgados (nunca pensei estacionar em direto o Cancro com Humor!). No programa convidei a que estivessem comigo, com o Júlio Magalhães e o Dr. Laranjeira Pontes, no IPO–Porto.
No outro dia, às dez da manhã, eu e alguma da minha ansiedade já estávamos no IPO. Entrarmos no Instituto de Oncologia do Porto, pelas portas da frente, com uma vistosa carrinha pão-de-forma que diz “Cancro com Humor” é de um arrojo sem precedentes. Só prova como o IPO percebe o quanto o humor, a empatia, as emoções fazem parte da equação. Que ser sensível à necessidade do riso faz do IPO do Porto uma casa mais à frente. E quando eu pensava que isso já não iria acontecer, eis que o Júlio Magalhães entra pelo auditório adentro, com aquele sorriso tão dele, prontinho para abraçar esta miúda de coração desassossegado.
A apresentação estava feita. Poderíamos ir embora. Mas nunca se entra no IPO com pressa. Se há coisa que é preciso fazer ali é apreciar o tempo. Respeitar o tempo. ESTAR com as pessoas sem “olás” desajeitados ou conversas feitas. Ouvir e abraçar. Fui embora então depois, depois de ter estado, depois de ter ouvido, depois de ter agradecido.
Escrevo-vos agora na carrinha pão-de- -forma enquanto o Tiago conduz. A próxima paragem: Lisboa. Há minutos atrás estávamos parados nas bombas de gasolina… a empurrar a carrinha. Tivemos a nossa primeira avaria mas, com a ajuda de estranhos simpáticos, empurrámos a boneca e já voltámos à estrada!
Faz tudo parte do charme de sermos viajantes, não é verdade?
Cancro com Humor está em tour. Está na estrada porque nunca irei parar de caminhar.
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