Excesso de voluntarismo?


Por regra somos assim. Refiro-me a nós próprios – os portugueses. Somos solidários e quando abraçamos uma causa demonstramos que por de trás de um povo acomodado e rendido ao fado há determinação, resiliência e uma força imparável capaz de mover mundos e fundos. Mas não há bela sem se não. E toda esta determinação…


Por regra somos assim. Refiro-me a nós próprios – os portugueses. Somos solidários e quando abraçamos uma causa demonstramos que por de trás de um povo acomodado e rendido ao fado há determinação, resiliência e uma força imparável capaz de mover mundos e fundos. Mas não há bela sem se não. E toda esta determinação acaba, grande parte das vezes, por pecar por excesso que, por regra, termina em desperdício ou aproveitamento ilícito. E isto acontece, claro, porque como em todo o lado há sempre um punhado de gente que tira partido da desgraça alheia. Ao que parece ninguém sabe dos milhões que milhares de portugueses disponibilizaram para ajudar as vítimas dos incêndios.

Da mesma forma que em outros movimentos de solidariedade desaparecem bens, duplicam-se faturações ou depreciam-se alimentos. Será por excesso de voluntarismo? Não creio. Tenho muito orgulho no povo português e mais orgulho tenho na forma altruísta com que ajuda o próximo e se envolve facilmente em correntes e campanhas de solidariedade. O que não pode acontecer é deixar ao acaso estes movimentos. Em concreto logo após a tragédia de Pedrogão recordo-me de várias iniciativas individuais para recolha de fundos para apoiar as vítimas. Só no Facebook recordo-me de quatro iniciativas diferentes de pessoas ou entidades que desconhecia, com a indicação de NIB e a solicitar contribuições para apoio às vítimas, ou para os bombeiros.

Recordo-me também de centenas de mensagens emocionadas a pedir ajuda com bens para os bombeiros. É de salutar a forma determinada com que as pessoas se envolvem e partilham os pedidos de ajuda, é totalmente reprovável o processo que se monta para recolher a boa vontade e a determinação em ajudar do povo português. Não vou entrar no plano do esquema e da burla (que as há certamente, pois há sempre gente que se aproveita do desespero e da boa vontade de terceiros), vou antes apontar ao dedo à falta de capacidade de organização comunitária.

Não somos um povo com sentido de comunidade. Vivemos em grupos (mais ou menos alargados) que, quando necessário se dissipam e sobressai o espirito voluntarista e solidário. Mas não temos o sentimento de comunidade. Nos EUA por exemplo assiste-se precisamente ao contrário. Existem fortes laços entre as comunidades e uma tradição secular de entre ajuda que funciona de forma também espontânea, mas, sobretudo, eficaz. Em Portugal não funciona assim. E como não funciona assim, alguém tem de assumir as rédeas do voluntarismo, sob pena de este pecar por excesso. Na minha modesta opinião o caminho é outro.

A par dos fundos de apoio que legalmente o Governo pode constituir (e constitui quando surge a necessidade), qualquer iniciativa civil de solidariedade deve ser centralizada na administração do Estado. Seja proteção civil, seja segurança social, seja na Presidência do Conselho de Ministros, para mim é irrelevante. A única coisa que é essencial assegurar é que os donativos tenham um destino único e sejam depois geridos por quem tenha efetiva competência para o fazer, evitando assim desigualdades e desequilíbrios, e mistérios como o que estamos a assistir com o “desaparecimento” de quase dois milhões de euros destinados às vítimas de Pedrogão.

Vou mais longe, os fundos de apoio a vítimas ou de reconstrução face a calamidades deveriam estar abertos em permanência e as contribuições poderem ser descontadas em sede de IRS e IRC. É que o “Ai Deus nos acuda” na hora da desgraça leva sempre ao desperdício, porque, para mim, não existe excesso de voluntarismo!