Com céu limpo, do miradouro do Cervo, na serra da Gávea, avista-se praticamente metade do rio Minho que corre em Portugal. Aos pés da serra, aninhada entre o rio e os montes, estende-se a chamada vila das artes, Vila Nova de Cerveira. Este ano há Bienal, e já lá iremos.
Voltando ao sítio do Cervo – a escultura em ferro, de José Rodrigues, adoptada como símbolo da vila cujo nome, segundo a lenda, se deve ao reino dos veados que ali existiu em tempos de antanho -, o olhar solta-se na lonjura, perde-se na imensidão do azul, perscruta os cumes, tenta adivinhar os povoados, mas logo se descai encandeado pelo brilho das águas do rio que não se mostra apressado em chegar à foz: roça devagar a ilha dos Amores, em forma de coração, e passa de mansinho pela da Boega, como que a acenar a Cerveira, a vila que nele se debruça, recatada. Na praça central e nas ruas que dali partem há vaivém de gentes a demandar os espaços de exposição da Bienal. No Fórum fica a sala dedicada a Paula Rego, a principal homenageada desta edição, e as obras expostas, que pretendem conduzir a uma retrospectiva pelo extraordinário imaginário simbólico da artista, dão bem conta do recado. No mesmo espaço, uma outra sala povoada com as originalíssimas esculturas em gesso, grandes e rechonchudas, de Jaime Azinheira que, tal como José Rodrigues, morreu no ano passado. Por aqui nos ficamos. A Bienal continua.
Para mal dos nossos pecados, também continua o desmando da Coreia do Norte, e o mundo em suspenso a ver onde é que isto vai parar. O insano Kim coreano está apostado em jogar às guerras, a sério, e encontrou no Donald americano um parceiro não disposto a engolir provocações: um diz mata, o outro diz esfola. Do “mar de chamas” ao “fogo e fúria”, coreano e americano amimam-se com tiradas vociferantes, e nos intervalos o mais pequeno afinfa perigosas tropelias, enquanto o mais velho ameaça e tuita – é adicto do twitter, até na política… impensável! Não fossem as traquinices guerreiras e a troca de piropos belicistas tão graves e assustadoras e estaríamos perante uma comédia foleira. Infelizmente, a tensão militar na Península da Coreia e a hipótese, mesmo que remota, de uma guerra nuclear localizada convocam a apreensão generalizada da comunidade internacional. Com efeito, ninguém se pode considerar ao abrigo, em absoluto, dos efeitos que tal conflito desencadearia. Não ignoremos que a Guerra da Coreia, suspensa em 1953 sem que fosse conhecido um vencedor, foi responsável pela chacina de milhares e milhares de coreanos, e vincou a divisão das duas Coreias, a do Norte e a do Sul. A geopolítica de arrebanhadura não tardou a arrumar aliados, tudo menos desinteressados: os Estados Unidos celebraram um tratado de assistência mútua¬ com a Coreia do Sul, ao que a China contrapôs, em 1961, o Tratado de Amizade, Cooperação e Ajuda Mútua com a Coreia do Norte. Razão por que agora a China se vê coagida pelos americanos a meter o vizinho, e amigo, coreano na ordem. Só que o vizinho é um amigo da onça, e os chineses irritam-se, mas não esmorecem. Lá reza o provérbio chinês, “nunca acendas um fogo que não possas apagar”. Pode servir para ambos os lados da fanfarronada.
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