No último mês não têm faltado editoriais, artigos de opinião e declarações públicas sobre o candidato do PSD à Câmara Municipal de Loures. A crítica, destrutiva como é quase sempre, tem sido lugar comum no rol dos entes com espaço opinativo. Uns por mera dissonância ideológica, que se percebe e até se saúda na vivificação do debate político, outros, como é cada vez mais habitual, por simples investida oportunista muitas vezes sem perceberem quer o alcance das afirmações polémicas, quer o contexto das próprias, quer a inegável realidade que, no contexto particular de Loures, se exalta da profunda pressão social que aquele concelho emana.
Antes de continuar quero que fiquem claros dois aspetos relevantes. Partilho com André Ventura (AV) uma amizade de vários anos, quase vinte. Mas isso, o segundo aspeto, não me coíbe de discordar de si em razão de algumas opiniões que possa ter tido e que estão relacionadas com o tratamento jurídico penal para crimes de incidência particularmente violenta e atentatória dos mais profundos direitos, liberdades e garantias, como é caso do terrorismo, ou de crimes com especial grau de censurabilidade e perversão como é caso, para referir os que AV referiu, dos crimes contra a autodeterminação sexual de crianças em razão de agravação, que é como quem diz pedofilia homicida.
Mas também é preciso que se reconheça, em boa verdade, que entre a defesa do regime penal espanhol, que é na verdade o que AV defende e já era assim nas suas aulas de direito penal, e a defesa da pena de morte, como se quis querer passar pela expressão simples “não me choca”, numa alusão que AV faz à mera possibilidade da sua aplicação, que de resto é impossível como qualquer pessoa informada saberá, vai uma incomensurável distância.
Contudo não deixa de ser inegável o mérito que AV tem em trazer certos assuntos para o debate social e político. Tem o mérito de refletirmos sobre os abusos que a permissividade do Estado, ainda que não de uma forma generalizada, tem consentido e que são feitos e garantidos à custa de quem cumpre as suas obrigações fiscais. Tem o mérito de refletirmos se temos a segurança que merecemos ter e se as nossas forças de segurança desempenham a sua imprescindível função com os meios necessários que apenas o Estado lhes deve prover. Tem o mérito de trazer ao debate assuntos que a todos nos dizem respeito e que a democracia, verdadeiramente representativa, não apenas se deveria encarregar de questionar, mas sobretudo de responder.
Mas o principal mérito de AV não é colocar “o dedo na ferida” ou trazer a lume questões mais sensíveis, mas não menos preocupantes. O mérito de AV foi um certo descortinar de uma democracia que rejeita, na sua faceta de democracia de opinião, a discussão de certos assuntos e permite a existência de tabus. Ora, uma verdadeira democracia não tem assuntos tabu. Não pode ter. A opinião publicada, a maioria para tentar ser justo, diz que não é “politicamente correto”. Confina a diferença de pensamento e a oportunidade que a liberdade nos trouxe em discutir assuntos a um rotulo censurável e a uma dimensão intangível que nenhum de nós, súbditos da lei do “politicamente correto”, pode sequer ousar questionar.
O “politicamente correto” fez-nos fechar os olhos a muitas coisas. Fez-nos misturar o trigo com o joio. Fez-nos julgar sem julgamentos, condenar sem tribunais e, sobretudo e mais grave, descrer no sistema político, na justiça e no inegável direito que nos assiste a questionar. A debater os problemas e a oferecer diferentes soluções.
Não sei qual será o resultado que AV terá em Loures. Acredito que será um grande resultado. Não apenas porque o desejo, mas porque lhe reconheço o desassombro, que muitas vezes não tive, em não ter medo de dizer algumas coisas. Uns, aqueles agarrados ao “politicamente correto” e aos jargões que nos trouxeram até este ponto de desconfiança, de descrédito e de rotulagem generalizada, dizem que não trocam convicções por votos e que a candidatura de AV não dignifica o sistema partidário democrático, como se a democracia apenas fosse possível para alguns e não para todos. Os outros, aqueles que se viram subjugados à centralidade de interesses e de convicções, aqueles que clamam pela mudança e pela intrepidez, talvez pensem de forma diferente. Uma coisa é certa. Há muito medo do resultado democrático que o terceiro partido do concelho de Loures possa vir a ter. Isso quer dizer alguma coisa. Esperemos que os democratas das convicções não se acabrunhem no dia 2 de outubro se os titulares da democracia, o povo, mostrarem que pensam de forma diferente.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira