Os sinais de que as vacas de que o primeiro-ministro tanto gosta, por muito que se queira, tendem a não voar – mesmo que atiradas para muito alto – são cada vez mais diversificados.
Perante aqueles factos que, apesar de tudo, de tempos a tempos as máquinas partidárias tendem a reescrever, a verdade é que se atirar-mos ao ar as vacas, elas não tocarão no chão durante um tempo proporcional à força com que forem impulsionadas para o éter.
Até este Verão a impulsão era grande, as quedas mais ocasionais e a atenção mediática escassa ou sabuja.
Acontece porém que, a menos que entrem em orbita, é certo a um tempo que, efectivamente, as vacas expelidas não ficarão no ar para sempre, e a outro que, quanto maior o impulso, mais violenta a aterragem.
Depois dos testes de balística vacum, que até aos incêndios mantinham vacas a pairar sobre os portugueses, o país vem sendo atingido com quedas sucessivas de vacas que o governo projectou para o ar e que não sabe onde ou quando vão cair.
Os exemplos são múltiplos e variados.
O governo da troika das esquerdas saudou com incontido entusiasmo um défice abaixo da meta e, nas suas palavras, o mais baixo do país em democracia, o que fez, refere, devolvendo rendimentos e diminuindo a austeridade na tal fórmula voadora.
Esta circunstância factual que é quase verdadeira e que remete para a tal aeronáutica bovina que o primeiro-ministro gosta de professar omite alguns factos contemporâneos desse lançamento que têm influência na rota, trajectória e duração dos lançamentos.
Desde logo, a separação fundamental, e nunca tão evidente, entre um documento que passou a vagamente indicativo, chamado Orçamento do Estado, e a realidade que resulta da sua efectiva execução.
Sendo que, curiosamente, o tal fim da austeridade coincide com a maior capitação de sempre de impostos em Portugal o que parece (para além da pura mistificação conceptual) um verdadeiro sofisma.
Ou seja, importa pouco, anunciar aumentos percentuais nos orçamentos dos ministérios, se, depois, a verdade é que uma parte relevante é sujeita a cativações (leia-se, verba inscrita como despesa para esse exercício mas não é gasta), e a que é gasta em vez de se focar na qualidade do serviço público serve para pagar delírios de país milionário como as 35 horas semanais na função pública o que, naturalmente, em orçamentos restritivos em tudo o que não é matéria salarial, tem repercussões nas verbas adstritas aos serviços e sua qualidade. Ou para o que interessa, alguma devolução de rendimento mas enorme aumento de impostos indirectos.
Os sinais de despenhamento são inúmeros, variados e transversais à máquina estatal.
Arrasta-se com a legislatura, por exemplo, a questão dos transportes públicos que a CGTP agora deixa trabalhar sem greves e cujo estado de pré-ruptura deixou de ser uma preocupação diária dos senhores deputados que assobiam para o lado perante a vaca estatelada no chão.
Esta vaca voadora, como dizia o poeta “jaz morta e arrefece”, senão gelou mesmo, perante o silêncio muito cúmplice dos antigos arautos do protesto sistemático e impenitente.
E enquanto este e outros transportes públicos colapsam – sem nenhuma das muitas associações de utentes fundadas pelo PC promover as habituais manifestações ou que os aristocratas da esquerda caviar se dignem a descer ao metro para as costumadas conferências de imprensa, em tom teatral de incontida indignação e forte adjectivação e ameaça – o mundo, para eles, parece que pula e avança.
O governo também ia por em órbita, no seu programa, e salvo erro, o maior programa de investimento público dos últimos anos, receita muito ao gosto da sua cartilha e com os espectaculares resultados bem conhecidos, ideia que afinal se despenhou (curiosamente sem muito ruído), transformando-se, afinal, na execução orçamental com menor investimento público da democracia como os números, afinal, demonstraram.
Foi, também, nestes últimos meses, muito evidente o colapso estrondoso (e muito doloroso) dos efeitos destas políticas de restrição da “passarola do primeiro-ministro e seus compinchas emudecidos” no estafado tema dos incêndios, onde parece que o orçamento “descativado” não chegava sequer ao início do período crítico dos fogos.
E, entretanto, os portugueses nas últimos episódios do projecto espacial que o primeiro-ministro inaugurou são agora surpreendidos com mais uma etapa do fim do sonho.
Aquela em que, afinal, até o emblemático e sacrossanto SNS – a cujos fornecedores o Estado não paga e cujos tempos de mora de pagamento a fornecedores estão a atingir recordes absolutos – já de volta, há dois orçamentos, às mãos hábeis dos seus paladinos de sempre, afinal, não rejuvenesceu da alegada tentativa de aniquilamento e extinção pelos neoliberais, e também bate recordes pela negativa, registando os maiores tempos de espera para cirurgias desde 2011, como noticiam agora os jornais.
As recentes notícias de que o ministro das Finanças garante um défice de 1,6% para este ano, neste enquadramento e cenário delirantes, parecem aconselhar (tal como a meteorologia dos últimos dias) o uso de chapéu de chuva muito reforçado…
Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt
Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990