Interpelados pelas fragilidades e inseguranças, em território nacional e no mundo, fica claro que a volatilidade assume um papel cada vez mais central nas nossas vidas. Por isso é tão importante o apego aos valores e às convicções, além das circunstâncias e das ambições pessoais exacerbadas.
É neste mundo com um presidente Trump cada vez em maior delírio, de sucessivos atentados terroristas cada vez mais concretizados por estruturas mais desestruturadas e de múltiplas expressões de fragilidade dos poderes públicos nas respostas aos cidadãos e às exigências do nosso tempo, que surgem os oportunismos.
Ao longo dos anos, os consensos ganharam uma elevada relevância na luta partidária, sem grandes resultados reais na vida dos portugueses e na resolução dos bloqueios estruturais do país, porque usados como mero instrumento para evidenciar a predisposição para o diálogo de uns e a sua falta de outros – um jogo de ratice política em que o posicionamento político no poder ou na oposição também conta. Quantas vezes o país não precisou que o senso, a seriedade e o sentido de defesa do interesse nacional não fossem mais importantes que as estratégias partidárias, os preconceitos ideológicos e as manhas da velha política? Muitas, mas prevaleceram sempre as pequenezes, os umbigos e as circunstâncias.
O anúncio pelo primeiro-ministro de que, após as autárquicas, haverá um tempo de procura de convergências com o PSD para o Portugal pós-2020 e para uma estratégia de médio prazo de crescimento e convergência sustentável com a UE tem várias leituras políticas.
O governo quer fazer agora com o PSD o que não conseguiu fazer em dois anos em áreas fundamentais para o país como a descentralização, a gestão das autarquias locais, a justiça, a educação, a saúde ou o papel de Portugal no quadro da construção europeia.
Ao assumir essa dimensão “fundamental” do PSD, não coloca pressão apenas no maior partido da oposição para que aceda, para que faça o que impediram que o PS fizesse no passado ou para que façam no PSD as mudanças internas que fizeram no passado no PS. Não se trata apenas de induzir pressão política na oposição, coloca também pressão nos partidos que apoiam a solução de governo.
Em primeiro, porque o anúncio sublinha a insuficiência da solução governativa para fazer o que é fundamental para o país: estabilizar o quadro de opções de política em território nacional e na nossa relação com a União Europeia.
Em segundo, porque procura abrir um leque de possibilidades na construção de políticas que sempre foi desconsiderado desde 2015, não passando de mera retórica intervalada com uma determinada degradação da relação política entre poder e oposição. Foram vários os momentos em que as divergências nos apoiantes da solução governativa sublinharam as insuficiências de visão do modelo de desenvolvimento no país, na Europa e no mundo. Os episódios recentes da Venezuela, da Coreia do Norte e de Angola foram apenas expressões maiores de uma tensão parlamentar latente.
Em terceiro, porque o anúncio é um pré–aviso de “tenham juizinho” após as autárquicas, independentemente dos resultados, aquando das negociações sobre o Orçamento do Estado para 2018 ou na multiplicidade de questões relacionadas com a União Europeia, as questões de segurança ou as opções de desenvolvimento económico sustentável.
O problema é que o anúncio em si é uma enorme expressão de volatilidade política.
Depois de dois anos de diabolização, após recuperação de figuras políticas do anterior governo, de Paulo Macedo a Miguel Frasquilho, afinal, o PSD é “fundamental”?
Depois de dois anos de endeusamento da solução governativa, o PSD é “fundamental” para construir um futuro mais sólido e sustentável? PCP, BE e PEV já não são suficientes para garantir a sustentabilidade das opções? É mesmo esse o drama. Muito do que foi conseguido só será duradouro se for sustentável, se tiver a sustentabilidade dos recursos necessários e a estabilidade política acima das mudanças de governo.
A verdade é que apenas a conjugação de habilidade política com vale-tudo e muita sorte à mistura é insuficiente para assegurar futuro às opções políticas de um governo centrado num homem só, sem número dois, sem visão além da gestão das circunstâncias e com dificuldade em compreender que as entradas que configuram a realidade e servem a liberdade de expressão não são compatíveis com tentações autoritárias de querer encerrar temas por decreto.
A verdade é que não é credível que este ou outro PSD, nas circunstâncias atuais, antes ou depois das eleições autárquicas, possa fazer aquilo que António Costa não permitiu ao partido político mais votado nas últimas eleições legislativas: chegar a um entendimento para condicionar ou participar na configuração das opções políticas de governação.
Ou será que dois anos depois, o que era uma má solução para o PS é uma boa solução para o PSD, este ou outro qualquer, mesmo um eventual liderado pelo dr. Rui Rio?
Com quase tudo em aberto, pelo menos na conversa política, subitamente, num verão marcado por dramáticos incêndios florestais, anuncia-se o tempo do juizinho, após as autárquicas. A ver vamos!
Notas finais
COM SENTIDO
A infeliz realidade do gato escaldado faz com que a declaração de calamidade pública perante as previsões meteorológicas, com posicionamento de meios no terreno, seja uma boa medida do governo.
SEM COERÊNCIA
Um país que aposta na sua afirmação internacional não pode manter os bloqueios que existem no acolhimento de não nacionais e nas operações para a internacionalização. Seja no pesadelo para conseguir uma consulta do viajante perante uma oportunidade internacional de negócio, na chegada a uma infraestrutura aeroportuária vindo de fora do espaço Schengen ou na tortuosa obtenção de vistos gold.
Escreve à quinta-feira