No verão de 2013, os media internacionais divulgaram atividades de vigilância dos serviços de informações, tanto nos EUA como na União Europeia, com base em documentos de Edward Snowden, que chocaram uma boa parte do mundo. Esta revelação deu origem a um complicado debate sobre as consequências da vigilância do Estado, em grande escala, na vida privada dos cidadãos. No atual estado de maturidade das democracias ocidentais, é certo que quando o Estado, os serviços de informações e os órgãos policiais utilizam os dados relativos às nossas comunicações quotidianas, tal deve ser circunscrito por limites claros, assim se limitando a amplitude da vigilância e da intrusão. Dir-se-ia que a dificuldade reside, justamente, em estabelecer esses criteriosos limites. Não em Portugal. Por cá, os partidos do arco da governação não manifestam grandes reservas ou hesitações quanto a esses limites, que gozam de amplo consenso. Aliás, a lei promulgada há dias pelo Presidente da República, que permite aos serviços secretos o acesso a metadados de comunicações e internet, resultou de acordo entre PS, PSD e CDS-PP. Contra, votaram o BE, o PCP e o PEV, tendo-se abstido o deputado do PAN. No passado, o mesmo consenso legitimou um diploma que posteriormente foi rejeitado pelo Tribunal Constitucional (TC). Também nos últimos dias, o “DN” explicava que o Ministério da Administração Interna (MAI), ao que parece contrariando a Comissão Nacional de Proteção de Dados, está a dar autorização para que as forças de segurança captem e gravem som através de sistemas de videovigilância, para prevenir crimes.
Não há dúvida de que às democracias ocidentais se exige um repensar do equilíbrio entre segurança e liberdade desde os ataques do 11 de Setembro. Esta evidência devia motivar os partidos à direita a tomarem a liderança deste debate que tantos desafios coloca às liberdades fundamentais dos indivíduos. É verdade que as medidas de prevenção do terrorismo e o reforço da segurança na sua implementação aumentam o risco de renascimento de xenofobias, racismos, discriminações que tanto preocupam uma parte da direita e, inclusive, a levaram a reagir prontamente a um recente discurso de Passos Coelho. Concordando que a rejeição desta tendência constitui uma espécie de imperativo moral nos dias de hoje, a verdade é que não devemos esquecer um outro risco: o de uma eventual deriva “securitarista”, esboçada nas duas medidas acima enunciadas, que deve constar das inquietações dos partidos à direita.
O aumento da vigilância dos cidadãos, particularmente grave quando é secreta, não transparente, em massa e indiscriminada, e o rascunho de um modelo de “justiça preventiva” que se vai avizinhando, como reação às novas ameaças à segurança nacional, colocam grande dúvidas sobre a compatibilidade com as nossas leis fundamentais e, sobretudo, sobre os seus limites e os atentados às liberdades dos cidadãos. A verdade é que a direita não tem sido o ator principal neste debate, não defende com voz clara uma interpretação restritiva das limitações aos direitos fundamentais, não questiona a necessidade de certas medidas, não apela à transparência, à informação dos interessados, à necessidade de supervisão rigorosa destas atividades e à prevenção de abusos. Se o silêncio se faz sentir em relação à pretensão do MAI, expressa no novo diploma sobre os metadados, a direita limitou-se a colaborar na construção de uma solução remediada para ultrapassar a inconstitucionalidade de uma lei anterior e que, com o devido respeito por outros entendimentos, dificilmente passará no controlo do TC, já espoletado por um pedido de fiscalização do PCP e do BE.
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