Arquitetura. Uma arma contra o terrorismo

Arquitetura. Uma arma contra o terrorismo


Ameaça terrorista é uma componente cada vez mais relevante na hora da conceção de edifícios e espaços públicos. Arranha-céus sucessor das Torres Gémeas e a nova embaixada dos EUA em Londres são representantes da nova vaga arquitetónica que pretende harmonizar segurança com design inovador e acolhedor


Na ressaca de mais um atentado no coração da Europa e enquanto Barcelona e Espanha fazem o que podem para sarar das feridas causadas pelo banho de sangue nas Ramblas e na localidade catalã de Cambrils, prossegue o debate, um pouco por todo o mundo ocidental, sobre as soluções e medidas que possam contribuir para uma redução significativa da ameaça terrorista, a curto e longo prazo.

Limitar as ações daqueles que, à semelhança dos que mancharam Londres, Berlim, Paris, Orlando, Istambul, Manchester, Bruxelas, Nova Iorque, Nice ou Estocolmo – apenas para referir os ataques mais recentes – procuram ceifar o maior número possível de vidas, recorrendo ao menor número de armas ou aos menos custosos e simples métodos de ataque, não passa apenas pela discussão à volta da videovigilância, da presença dos exércitos nas ruas ou do controlo fronteiriço. A ameaça terrorista tem ganho cada vez mais relevância dentro dos ateliers de arquitetura, nomeadamente daqueles que têm a cargo a responsabilidade de conceber edifícios e espaços públicos, que possam funcionar, também eles, como mecanismo eficaz de contraterrorismo.

Os espaços pensados para controlo de segurança, as saídas de emergência em caso de perigo, e até a colocação de vidros à prova de bala, já fazem parte, desde meados dos anos 1990, do design de grande parte dos edifícios governamentais, embaixadas, aeroportos, museus, estádios ou salas de espetáculos, mas o ataque às Torres Gémeas de Nova Iorque, em 2001, os incontáveis tiroteios em escolas (sobretudo) americanas e os atentados por atropelamento, obrigaram os arquitetos e engenheiros a terem de repensar algumas noções securitárias e a pô-las em prática nos mais variados projetos.

Aos pilares de cimento e barreiras de metal erguidos, em cada vez maior número, nos passeios que ladeiam os principais monumentos das cidades ocidentais e à construção de fossos – habitualmente enchidos com água – à volta de edifícios, somam-se outras soluções, com maior ou menor grau de estética ou de inserção no meio envolvente. Olhe-se, por exemplo, para a decisão das autoridades parisienses de colocar uma parede de vidro, com cerca de 2,5 metros de altura, à volta da mítica Torre Eiffel, justificada com a situação de elevado risco terrorista na capital francesa e nos seus principais monumentos.

Esta nova consciencialização passou, naturalmente, por várias fases, algumas delas perfeitamente visíveis nos edifícios erguidos. O departamento de Estado norte-americano, por exemplo, decidiu criar em 2002 um modelo standard para as todas as suas novas representações diplomáticas, com um design o mais pragmático, utilitário e seguro possível. Ao fim de uma década em que foram construídas dezenas de embaixadas e consulados altamente fortificados e pouco acolhedores, o então senador democrata John Kerry – nomeado secretário de Estado para o segundo mandato da administração Obama – criticou as “embaixadas bunkers”, defendeu que o facto de estarem “escondidas” e “distantes da vida nas cidades”, “comprometia a mensagem e a missão” dos diplomatas dos EUA no exterior, e contribuiu para se dar início a uma abordagem distinta.

Para o norte-americano Richard Paradis, especialista em engenharia e segurança de edifícios do National Institute of Building Sciences, o desafio que desde essa altura existe, para quem projeta edifícios públicos, é o de encontrar uma solução que permita às pessoas sentirem-se não apenas e somente protegidas, mas também bem-vindas e bem recebidas. “Não queremos que os edifícios se pareçam com fortalezas”, explica à Vice.

Aaron Betsky, professor universitário na Frank Lloyd Wright School of Architecture, partilha da opinião de Paradis e realça que o sentimento de pertença a uma comunidade é igualmente eficaz como medida securitária, pelo que acredita que é missão dos arquitetos “encontrar uma maneira de fazer com que as pessoas se sintam ligadas umas às outras”, algo que um edifício excessivamente fortificado e distante não é capaz de fazer. “Demasiada proteção leva ao isolamento”, afirma, relembrando que a maioria dos criminosos que levam a cabo atos de índole terrorista “estão rodeados de narrativas de solidão”.

É precisamente com base nesta intenção de conjugar segurança, hospitalidade e modernidade, que os governos dos EUA e de alguns países europeus, optam agora por contratar arquitetos reconhecidos para projetarem edifícios ou estruturas em construções públicas já existentes. E se o imponente One World Trade Center – edificado no espaço onde, até ao dia 11 de setembro de 2001, se erguiam as Torres Gémeas – é um edifício digno da nova vaga arquitetónica que aposta nessa harmonização, a futura embaixada norte-americana em Londres – a ser inaugurada ainda este ano – corre o risco de se tornar o seu mais icónico representante.

Os previsíveis materiais à prova de bala e ultra resistentes a materiais explosivos, as vedações e os pilares de cimento à entrada perdem todo e qualquer protagonismo para o gigantesco e formosíssimo cubo envidraçado que se está a erguer nas margens do Tamisa, ladeado de verdejantes jardins e águas calmas, e desenhado pela premiada empresa de arquitetura KieranTimberlake e cujo valor ascende os mil milhões de dólares (cerca de 850 mil milhões de euros).

O preço exorbitante causou polémica nos EUA, mas não impediu o Departamento de Estado de encomendar outros projetos igualmente inovadores para as futuras representações diplomáticas em Beirute (Líbano), Maputo (Moçambique), Cidade do México (México) ou Brasília (Brasil).

A preocupação com a estética é real, mas está cada vez mais inserida numa lógica de prioridade à segurança dentro e nas áreas próximas dos edifícios públicos. O crescimento da onda terrorista, particularmente no continente europeu, obriga a isso mesmo e deverá contribuir para um processo de alteração, mais ou menos lesta, das faces das suas principais cidades e para um papel cada vez mais relevante da arquitetura contra arma de contraterrorismo. Dirigentes políticos, arquitetos e engenheiros tratarão de decidir se passaremos a viver em cidades-fortaleza ou se encontraremos na inovação uma forma de evitar tragédias como a de Barcelona.