“Chuva de leão” – o tema escolhido pelo meu sobrinho


O meu Tomás ainda gosta de tudo o que lhe parece assustador porque assustador ainda é divertido. Ainda não tem medos. Ainda não tem vertigens. Ainda se sente totalmente protegido. Como o irmão, ainda não sabe o que é chuva de leão


Pedi ao meu sobrinho de três anos que decidisse o tema deste texto. Não, não estou desesperadamente sem assunto para escrever… gosto é de inovar e arriscar. É isso… 

Sentada na cama, com o computador ao colo, perguntei ao Tomás o que quereria ele que a tia escrevesse. Ingénua como sou, esperei que me dissesse algo que me emocionasse e me pusesse a pensar. Afinal, as crianças são mágicas e dizem sempre coisas tão profundas. 
E o que lhe saiu foi isto: “CHUVA DE LEÃO!”

Excitado com a sua grande resposta, começou aos saltos na cama, a gritar repetidamente: “Chuva de leão! Chuva de leão!” E pronto. Como não pretendo ser daquelas tias que promete e não cumpre, eis-me aqui a escrever para este espaço (que continua a ser “Cancro com Humor”) cujo tema é sobre uma chuva que não molha mas esmaga, porque nos manda com leões para cima. Já em modo aflição, continuei o interrogatório, na esperança de que lhe saísse alguma poesia (e usei um tom doce e meigo, para inspirar a criança).

– O que quer dizer “chuva de leão”, meu amor?
– São leões que fazem rugidos – respondeu-me o Tomás, com uma assertividade que me surpreendeu. Sem mais demora, desapareceu do quarto, feliz e contente por ter tramado a tia e sem vontade de me explicar o motivo desta ideia disparatada. 

“Chuva de leão.” O meu sobrinho adora leões e, para ele, todos os animais ferozes são animais heroicos. É fascinado por dinossauros e crocodilos e por todos aqueles que lhe parecerem assustadores. Mas depois é também a criança mais doce do mundo, que adora borboletas e matar formigas, mas isso não vou sublinhar.

Acho que escolheu que a tia escrevesse sobre “chuva de leão” porque, para ele, todas as coisas podem ser divertidas. Até a chuva. É incrível como o meu sobrinho pode ter todos os brinquedos do mundo, mas o nosso jogo favorito é aquele em que enviamos um para o outro, através de gestos loucos com as mãos, “beijinhos, formigas, fogo, chuva e até xixi”. Um combate de risada, onde às vezes ganha o Tomás e outras vezes ganha a tia. “Vou enviar-te gafanhotos!” – e ele levanta as mãos para se defender dos animais invisíveis, enviando-me cães ou gatos, enquanto eu rebolo pelo chão, atingida pelo seu superpoder. E sem ele saber, envio-lhe, aos potes, aos magotes, aos caixotes, toneladas de amor e de proteção que espero que o atinjam para sempre.

Chuva de leão. Chovem leões, chovem cobras, chovem medos, chovem dificuldades e nem sempre terás um guarda--chuva para te cobrires. Às vezes irão cair coisas sobre ti, algumas delas bem pesadas. Em muitos momentos não terás os pais, nem as tias, nem os avós para te taparem a cabeça, impedindo que te molhes. Também fico assustada quando penso nisso. Gostava de poder estar sempre ao teu lado, a defender-te com os meus superpoderes invisíveis para que o visível não te atinja. Mas não posso esquecer que tu também tens os teus próprios poderes. Que eles vão crescendo ao mesmo tempo que tu cresces. Que sabes mais, que podes mais do que aquilo que imagino. Que ouvirás rugidos mas que também serás tu um leão – daqueles que sabem o que querem, que sabem para onde vão e que gritam “chuva de leão!” com a certeza de que serão felizes. Também serás desses.

Enquanto escrevo este texto espero que o meu outro amor, o Tomé, de seis meses, acorde do seu sono sagrado. Ainda não brincámos a este jogo, mas já somos irremediavelmente cúmplices. Ele sorri para mim e eu derreto – e esse é o seu poderoso superpoder. Deixar-me absolutamente feliz só por o ter comigo.

Chuva de leão. Chovem leões, chovem cobras, chovem medos, chovem dificuldades e nem sempre terás um guarda--chuva para te cobrires. Mas chovem também borboletas, chovem sorrisos, chovem cascatas. Chovem leões que fazem rugidos, mas também chovem bebés que dão gargalhadas. Chuva de leão. O meu Tomás ainda gosta de tudo o que lhe parece assustador porque assustador ainda é divertido. Ainda não tem medos. Ainda não tem vertigens. Ainda se sente totalmente protegido. Como o irmão, que ainda não sabe o que é chuva de leão.

E, afinal, o meu sobrinho fez poesia. Fez-me pensar. Disse-me duas palavras que me fizeram pensar em coisas aterradoras que podem cair sobre nós enquanto, para ele, chuva de leão é só chuva de leão – divertida, peluda, com rugidos que não são barulho mas são sons. 

Porque ele ainda não tem medo. Porque, para ele, a chuva de leão é só uma coisa divertida. Porque, para ele, ainda é tudo fácil. Porque ele sabe mais do que aquilo que possa imaginar.

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