Quando, em julho, uma parte do país estava a banhos (o primeiro-ministro incluído) e a outra a arder, a imprensa espanhola encarregava-se de atualizar os portugueses sobre os últimos acontecimentos na pátria: ora apresentando a lista de armas roubadas em Tancos, ora diagnosticando o fim do estado de graça de António Costa, ou através do “caso” Sebastião Pereira, o pseudónimo usado por algum jornalista cuja identidade ficou por apurar. Além dos jornais espanhóis, a situação do nosso país tem sido notícia no estrangeiro, nomeadamente nos EUA, em jornais como o “New York Times” e o “Politico”.
Em algumas peças jornalísticas estrangeiras há vários aspetos que se evidenciam: desde logo, a força da natureza e as alterações climáticas na origem dos incêndios que tornam estes fenómenos “inevitáveis”; debatem-se também as escolhas públicas e sociais, como o abandono das áreas rurais, a desertificação das aldeias, as casas e terrenos abandonados, o desprezo pela agricultura por parte de uma geração jovem, “cool” e cosmopolita, a ausência de uma estratégia de requalificação do mundo rural, da identificação de “novas funções do mundo rural”, de turismo, recreio, agricultura e floresta; a incapacidade de implementar uma estratégia de prevenção eficaz e, por fim, um último aspeto discutido por quem olha de fora surge, neste contexto referido, paradoxal: a persistente popularidade do governo.
A um observador atento causará algum espanto a passividade dos partidos mais à esquerda, como o Bloco e o PCP, significativamente comprometidos e condicionados pelo atual governo. Mas verdadeiramente surpreendente será a persistente popularidade de um governo que geriu as responsabilidades do incêndio de Pedrógão Grande de uma forma confusa, contraditória e trapalhona.
A falta de esclarecimentos sobre as falhas no funcionamento da chamada rede SIRESP é o melhor exemplo: se, em junho deste ano, a Administração Interna, sem ainda ter na sua posse os vários relatórios e estudos que entretanto encomendou, garantia que aquela rede estava a funcionar com “toda a normalidade” (“Negócios”, 19/07/17), o primeiro-ministro, em julho, afirmava que as falhas do SIRESP foram de “menor relevância” (“Público”, 06/07/17), ajustando dias depois o discurso e apontando “fragilidade inadmissíveis” no SIRESP (TVI, 17/07/17) e, mais tarde, identificando um culpado: a PT. Esta conclusão suscitou-me uma dúvida: a existência de um sistema como o SIRESP não se justifica com a necessidade de criar, para momentos de crise, uma alternativa segura e adequada às comunicações públicas existentes?
Em bom rigor, a popularidade do atual governo está por demonstrar na prática, dependendo apenas da seriedade de um ou outro focus group. Ainda assim, sendo esse o caso, não é difícil encontrar possíveis explicações: medidas eleitoralistas como o aumento de pensões em agosto (e em vésperas de eleições autárquicas) ou ainda uma certa dificuldade da nossa imprensa, suprida no estrangeiro, em acompanhar a produção de mitos, mistificações, versões e justificações do governo sobre a responsabilidade pelos incêndios e o fracasso do SIRESP e os muitos relatórios e esclarecimentos até hoje prestados.
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