O videoárbitro vai matar o futebol?


Sempre fui crítico da introdução de meios tecnológicos na arbitragem dos jogos de futebol. E não por conservadorismo.


É preciso perceber que o que fez a universalidade do futebol foi também a sua simplicidade. Um jogo de um qualquer campeonato regional e uma final da Taça dos Campeões não tinham diferenças nenhumas: um campo, duas balizas, 11 jogadores de cada lado, um árbitro e dois ajudantes. Ora, com as novas tecnologias, as diferenças entre os jogos serão cada vez maiores. Haverá os que têm cem câmaras a espiar os movimentos dos jogadores e vários árbitros a ver, e os que não têm nada disso. Os que são arbitrados com recurso a máquinas e os que só contam com os sentidos humanos. O futebol complica-se e perde a sua simplicidade original.

Durante 150 anos, o futebol manteve praticamente as mesmas regras e os mesmos princípios, e as polémicas sobre a arbitragem nunca o impediram de crescer, conquistar o mundo e impor-se como o grande desporto – e o grande espetáculo – de massas. Os erros dos árbitros nunca foram um obstáculo à expansão do futebol.

Mas com a introdução das tecnologias entra-se em terreno desconhecido. Abre-se uma caixa de Pandora. Não sabemos até onde irá o caminho agora iniciado. Algum dia teremos um robô no lugar do árbitro, comandado à distância por aparelhos que lhe dão instruções? A prazo, o futebol irá desumanizar-se até se aproximar dos jogos de play station?

Acresce que as primeiras experiências com o videoárbitro já mostraram que este não acaba com as discussões. Porque a subjetividade não desaparece na interpretação dos lances duvidosos; e há um pormenor que baralha tudo: os senhores árbitros que analisam os lances no ecrã têm acesso a imagens que nós, mortais telespetadores, não temos. Portanto, a suspeita fica sempre. Terão visto bem? Terão analisado bem? Terão sido imparciais? No jogo Benfica-Braga foi anulado um golo ao Braga por fora-de-jogo inexistente.

De qualquer modo, com todas as suas limitações, vantagens e inconvenientes, o videoárbitro era inevitável. Porquê? Porque a tendência do ser humano é para recorrer cada vez mais à tecnologia. É uma verdadeira histeria. As pessoas andam na rua agarradas aos telemóveis, sem tirarem os olhos deles. E se isto é assim na vida quotidiana, não poderia ser diferente no futebol.

Finalmente, há uma questão de que ainda não ouvi falar mas que teve uma influência poderosa. A partir do momento em que os jogos começaram a ser televisionados com várias câmaras, os erros dos árbitros ficaram às escâncaras perante toda a gente. As decisões dos árbitros passaram a ser imediatamente postas em causa pelas imagens televisivas. Assim, o videoárbitro tornou-se necessário para defender os árbitros. Para os proteger. Para não serem logo desmentidos na praça pública.