Há algumas reflexões que podemos fazer sobre o nosso próprio percurso ao olharmos para aquilo que aconteceu no passado mais ou menos recente da Venezuela.
Falta-nos, obviamente, um importante e fundamental elemento na equação geral – que não permite uma analogia – que é uma imensa quantidade de reservas de petróleo, mas nem por isso podemos deixar de tentar encontrar alguns pontos de contacto e retirar algumas ilações sobre os percursos, as políticas e as ideologias que lhes subjazem.
Numa semana em que as diatribes do cheque em branco que Maduro passou a si próprio chamado Assembleia Constituinte já se fazem sentir, atacando as magistraturas e invadindo o parlamento, parece claro – mesmo com maiores ou menores influências externas –, tanto mais que a verdade é que a soberania territorial e o domínio das forças armadas, polícias e milícias se mantiveram unos e fiéis, que a famosa legitimidade democrática dos revolucionários bolivarianos passou à condição de mito histórico e, porventura, apenas ideológico.
Interessa pouco, para aquilo em que pretendemos focar-nos, fazer uma análise mais aprofundada da perpetuação dos revolucionários bolivarianos no poder e das manobras constitucionais com que foram consolidando tal perpetuação.
Interessará, porém, fazer uma análise mais circunstancial sobre a evolução das medidas que fizeram crescer, apesar de tudo, uma enorme base de apoio social de Chávez e do seu sucessor, e traçar os paralelismos com o que por cá se passa.
A Chávez e a Maduro, mas sobretudo ao primeiro, apontam os seus admiradores mais confessos o facto de ter feito sair milhões de venezuelanos da pobreza (condição a que esses e outros mais entretanto já regressaram).
Para tanto aponta, de uma forma muito simplificada, o facto de há cerca de dez anos o Estado se ter apoderado (outra vez), nacionalizando-os, dos recursos petrolíferos da Venezuela, e depois de distribuir parte importante dos mesmos pela oligarquia já então vigente, afectou o chamado “orçamento do petróleo” a medidas de protecção social que tiveram forte impacto junto da população mais pobre e desprotegida.
O referido plano de Chávez, de nacionalizações e de intervenção na economia, estendia-se também aos sectores das telecomunicações e energia, além da invasão de terras, do controle de frigoríficos ou da regulamentação do serviço médico privado, conforme noticiava a “Folha de São Paulo” em 1/5/2007.
Nessa data, Chávez, vestido de vermelho, referem os jornais, disse para milhares de trabalhadores que “o investimento privado nunca mais voltará”. “Estamos acabando com a era dos investimentos privados e enterrando-a nas reservas de petróleo de Orinoco” – o que mereceu a admiração dos costumados partidos do protesto e do esbulho cá do sítio.
A política de nacionalizações prosseguiu e a incorporação dos trabalhadores na folha de salários da petrolífera estatal foi aumentando – cerca de 8 mil trabalhadores em 2009 –, ao passo que a produção atingia, neste ano, mínimos históricos e ao nível dos da década de 90.
Refere-se a década de 90 para enfatizar que houve anterior nacionalização do petróleo venezuelano, em 1976, por Carlos Pérez, e o governo da Venezuela, na década de 90, viu-se na necessidade de fazer a denominada “apertura petrolera” que fez voltar – com o regresso do investimento privado – os níveis de produção aos valores dos anos 70, ou seja, aos valores de antes dessa nacionalização.
Nesta fase importa lembrar que em 2010, três anos após a nacionalização do Orinoco por Chávez, que os apologistas deste regime saúdam, já se dava nota de escassez de produtos básicos e comida no supermercado e de racionamentos de água e energia eléctrica.
Em 2017, deputados da Assembleia Nacional referem que 80% da população da Venezuela passa fome.
Ou seja, por muito que se possa reconhecer a bondade intrínseca, a nacionalização da maior riqueza do Estado venezuelano, e da propriedade privada, não erradicou a fome nem a pobreza e, a espaço, aumentou-a!
Não é de menos reafirmar que a economia de mercado, com as suas virtudes e muitos defeitos, retirou consistentemente da pobreza muito mais pessoas em todo o mundo que qualquer revolução bolivariana das utopias marxistas ou projecto quejando.
E, por isso, é preciso não perder de vista que os dois partidos que apoiam o governo são confessos admiradores destas políticas e nutrem o mesmo ódio sistémico pela propriedade privada só equiparável à sua apetência voraz pela estatização do mundo.
O PS, nesta equação, é o culpado pela última e recente bancarrota do país, e o seu governo, entre a alucinação e o deslumbre, aplica a receita do anterior desastre, aumentando a dívida externa mês a mês para máximos históricos, para pagar a festa dos seus apoiantes, e não só…
O Bloco de Esquerda, apoiante das receitas da aventura venezuelana, cujo regime ultimamente finge renegar depois de o vir apoiando e elogiando-lhe as soluções, refere no seu manifesto eleitoral de 2015 “compromete(r)-se com uma política de nacionalização do sector da energia, para impedir a desregulação e a ineficiência, garantindo o controlo público sobre as empresas do sector”. E, já em 2014, Mariana Mortágua perorava sobre a melhor forma de nacionalizar a PT e, ultimamente, o Novo Banco.
Já o PCP, apoiante histórico, confesso e irredutível dos estalinismos globais, ainda vive na era das nacionalizações do gonçalvismo e da reforma agrária, e a espaços, e dependendo do vento, pretende que se nacionalize praticamente tudo o que mexe.
Por estes dias, em cúmulo, discutem–se diplomas sobre arrendamentos compulsivos de propriedades privadas, taxa–se a propriedade, não só aos ricos, mas também aos que não são pobres, e usam–se palavras de ordem que não pretendem afundar a iniciativa privada no fundo do Orinoco, mas defendem que se perca a vergonha de ir buscar a quem acumula, em glorificação do processo venezuelano que tão bons resultados demonstrou.
É verdade que aqui não é igual, mas é muito claro que as sementes do desastre estão plantadas…
Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt
Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990